7. IDEAIS NA JUVENTUDE

"Os jovens sempre tiveram uma grande capacidade de entusiasmo por todas as coisas grandes, pelos ideais elevados, por tudo o que é autêntico".

(Monsenhor Josemaría Escrivá)

 

Coisas grandes

 

     O idealismo da juventude - que tema inesgotável! Os psicólogos explicam-no, os educadores apóiam-se nele, os demagogos exploram-no, e (o que é talvez ainda pior) os mais velhos olham-no com tolerância benevolente ou ceticismo cínico, e piscam astutamente uns para os outros: "Um dia aprenderão"...

 

     Certamente, os jovens aprenderão muitas coisas dos mais velhos e do modo como estes vivem. Só espero que não aprendam o cinismo, isto é, a perda dos ideais. Se isso ocorrerá ou não, vai depender bastante do tipo de pessoas mais velhas que encontrarem.

 

     Se uma pessoa mais velha dá por certo que, sendo lógico que os jovens tenham ideais, também é lógico e além disso inevitável que acabem por perdê-los, então podemos concluir que essa pessoa mais velha ou não acredita muito nos ideais ou não acredita muito nos jovens.

 

     Se um pai quer saber a quantas anda nesta matéria, faria bem em propor-se algumas questões como estas: Acredito no idealismo dos jovens? Acredito que os seus corações foram feitos para coisas grandes? Será que eu - que tenho de educá-los - acredito em coisas grandes? As coisas grandes em que acredito são suficientemente grandes para satisfazer-lhes os seus ideais?

 

     Somente quem puder responder afirmativamente a cada uma destas perguntas pode nutrir alguma esperança de ser um bom pai ou uma boa mãe.

 

Ideais em crescimento constante

 

     Uma das muitas coisas admiráveis em Mons. Josemaría Escrivá era a sua certeza de que os jovens nunca deviam perder os ideais da juventude. Pensava, antes, que esses ideais podiam e deviam crescer indefinidamente. Tinha a sua própria experiência a esse respeito: os seus ideais pessoais cresceram constantemente desde a idade dos quinze anos até à morte, quase sessenta anos mais tarde. Além disso, podia orientar-se pela experiência de milhões de jovens de todo o mundo.

 

     Mons. Escrivá acreditava firmemente no idealismo dos jovens - e dos menos jovens. Sendo, porém, um realista e, sobretudo, um homem de fé, sabia que o coração humano não foi feito para quaisquer ideais, mas somente para os ideais que Cristo trouxe à terra. Sabia que estes são os únicos ideais capazes de preencher os nossos corações até fazê-los transbordar, ao longo de uma vida inteira. Aliás, a sua própria vida foi inteiramente dedicada a encarnar esses ideais e a despertá-los nos outros.

 

     Mons. Escrivá, como acabei de dizer, era um realista. Quero indicar com isto, entre outras coisas, que tinha perfeita consciência de que o coração de um jovem não é unicamente um foco de ideais, mas antes um campo de batalha. Dirigiu a sua mensagem a todos, mas insistia em que, se por um lado estávamos chamados a realizar os maiores ideais possíveis, por outro éramos igualmente capazes das maiores misérias, e que, portanto, devíamos estar preparados para lutar ao longo de toda a vida. Ora, se a luta nos custa a todos, obviamente custará mais no início, isto é, na adolescência. Reparemos num rapaz ou numa moça de treze ou catorze anos, que já não é uma criança, mas ainda não se tornou homem ou mulher e, portanto, necessita especialmente da compreensão dos pais.

 

A idade dos contrastes

 

     É a idade dos contrastes. A vida, na juventude, parece maior. Parece prometer mais. Desafia a realizar coisas grandes. E o jovem sente-se capaz de responder a esse desafio. Mas a vida, na juventude, também parece mais complicada, e as dificuldades acentuam-se: egoísmo, sensualidade, preguiça, revolta... É a idade dos contrastes: nobreza por um lado, calculismo por outro. É a idade das vitórias entusiasmantes e das derrotas desanimadoras. É, ou deveria ser, a idade da luta.

 

     Mons. Escrivá exprimia-o assim ao falar com um grupo de jovens em outubro de 1972: "Vocês não podem desistir de lutar porque a nossa vida é exatamente isso, um contínuo cabo de guerra. Somos atraídos pelas coisas mais loucas. É humilhante, não é? Santo Agostinho costumava dizer que as suas paixões tentavam continuamente puxá-lo para baixo. Mas, ao mesmo tempo, à parte as idéias loucas, sentimos uma grande vontade de fazer coisas que valham a pena, de servir os outros, de viver uma vida limpa, de trabalhar em coisas que possam ajudar os outros, de nos sacrificarmos a nós mesmos. Isto não é verdade também? E é então que irrompe a luta entre as nossas paixões, que procuram puxar-nos para baixo, e esses outros desejos maravilhosos, que nos empurram para cima. Temos que lutar. Não há alternativa". A coisa mais elementar que um pai deve ter em conta é que é na adolescência que eclode esta guerra entre a magnanimidade e o calculismo.

 

     Também é óbvio e elementar compreender (e suponho que todos o compreendem) que haveria poucas provas mais decisivas de que se é um pobre pai do que estar disposto a estragar os filhos dando-lhes tudo o que pedem ou permitindo-lhes tudo o que querem. O adulto que age deste modo torna-se cúmplice do egoísmo do jovem, torna-se aliado dos seus instintos calculistas e mesquinhos, e praticamente assegura a derrota do seu idealismo e a destruição da sua generosidade e da sua capacidade de sacrifício.

 

     Deveria ser igualmente óbvio e elementar compreender (e, contudo, a minha impressão é que muitos pais não o compreendem) que uma pessoa pode revelar-se mau pai incidindo em outro erro, um erro mais sutil, mas talvez mais prejudicial: o de deixar que os grandes e nobres ideais da juventude sejam pouco a pouco extirpados e substituídos por objetivos calculistas e limitados, egoístas e tacanhos, que, mesmo que às vezes deixem pouco espaço à preguiça, sempre deixam muito espaço ao individualismo e à polarização no próprio eu; objetivos cuja realização pode talvez proporcionar grandes vitórias, mas que nunca darão felicidade. Tentarei explicar-me.

 

Ideais e objetivos

 

     Um ideal é algo de grande. É essencialmente sentido como algo maior do que a própria pessoa, que atrai pela simples força da sua beleza e nobreza, e faz uma pessoa querer sair de si mesma, esquecer-se, a fim de defendê-lo, admirá-lo, amá-lo e servi-lo, de ascender na sua direção. Uma pessoa com um ideal está disposta a viver por ele e, se necessário, a morrer por ele. Não são muitos os ideais verdadeiros: o amor, a família, a pátria, Deus...

 

     Um objetivo, por sua vez, é algo valioso que uma pessoa espera estabelecer e atingir por iniciativa própria. Pode ser difícil de atingir, pode ser grande. Mas raramente será visto como algo maior do que a própria pessoa. Atrai porque promete satisfazer algum desejo pessoal específico: o desejo de poder, de prazer ou de popularidade, ou o simples desejo de progredir e de superar-se... Nisto reside o seu valor.

 

Um objetivo pode ser conquistado; um ideal, nunca. Um homem deve sempre ter objetivos à sua frente, porque tem necessidade de progredir constantemente. Mas, ao atingir os seus objetivos, pode utilizá-los de diversos modos: pode apoiar-se neles como trampolim que o ajude a aproximar-se do seu ideal, ainda longínquo; ou pode estacionar, contemplando orgulhosamente o que atingiu, como se já não houvesse mais nada a ser alcançado; está tão envaidecido de ter realizado os seus objetivos que esqueceu o seu ideal, se é que alguma vez o teve.

 

     Uma pessoa com ideais sempre terá objetivos. Mas alguns têm objetivos sem ter ideais. Se um homem sonha com uma mulher ideal, e pensa que a encontrou, apaixona-se. O seu objetivo será casar-se com ela, e se se casar, tê-lo-á atingido. Mas se o seu amor for verdadeiro, essa mulher continuará a ser o seu ideal, e ele compreenderá que, apesar de todos os seus esforços por atingir objetivos conexos (por exemplo, aperfeiçoar-se em pontos do caráter), nunca estará à altura dela. Seria triste que um dia chegasse a sentir-se digno dela, e pior ainda se chegasse a sentir que ela é indigna dele. O idealismo teria entrado em colapso nesse casamento [1].

 

     O homem que quer casar-se por dinheiro tem um objetivo, mas não um ideal. Se conseguir casar-se com uma rica herdeira ou com uma viúva milionária, terá atingido o seu objetivo. Chegou tão longe quanto queria. Os ideais não faziam parte dos seus planos.

 

     Um rapaz sem objetivos é ou será um rapaz preguiçoso. Não há quem não o perceba. Mas um rapaz sem ideais é e será sempre um desastre, por muitos objetivos que tenha e por muito que se esforce por alcançá-los. O pior é que muitos pais não o percebem, embora devam ser os principais orientadores dos seus filhos. Parecem não compreender que o sistema de ter na vida "objetivos-sem-ideais" pode talvez produzir pessoas enérgicas, mas não pessoas felizes. Uma vida sem ideais não pode deixar de ser egoísta e inútil, e, portanto, infeliz.

 

     Há demasiados pais que (em relação aos seus filhos e mesmo às vezes em relação a si mesmos) não são capazes de perceber a diferença entre ideais elevados e objetivos egocêntricos; entre ideais que enobrecem o caráter e objetivos que o amesquinham. E por isso permitem que os nobres ideais da adolescência se degradem e se transformem em meros objetivos inadequados e pobres; pior ainda, podem chegar a contribuir para isso.

 

     Vemos tantos casos! Pais com um filho razoavelmente inteligente, que se dedicam a atormentá-lo constantemente para que seja o primeiro aluno da classe. E esse jovem termina por concentrar-se inteiramente nessa meta e por ficar plenamente satisfeito ao atingi-la. Como se não fosse um mal enorme contentar-se com qualquer coisa na juventude! Pais que dotam os seus filhos esportistas de um sem-número de vantagens e estímulos (clubes, treinadores, viagens), até transformá-los em pessoas cujo único objetivo é tornarem-se campeões de tênis ou de natação. Mães que permitem - ou até fomentam - que a filha adolescente pense que a única coisa realmente importante na vida é ser popular entre os rapazes, e o resultado é que na sua pequena e bela cabeça só haverá pensamentos para roupas e outros modos de atrair a atenção.

 

O que há de errado em querer ser campeão de tênis?

 

     "Ora, um momento - dir-me-ão -, o senhor não está realmente sugerindo que um jovem inteligente não deva esforçar-se por tirar boas notas, não? Ou que um rapaz com físico de campeão de tênis não deva tentar atingir essa meta? Ou que uma moça não deva embelezar-se e ter uma aparência atraente?" Não, não estou dizendo isso. Parece-me totalmente natural que os jovens façam todas essas coisas. O que afirmo é que não se deve permitir - ou estimular - que pensem que, ao fazerem qualquer dessas coisas, estão lutando por ideais. Estão, sim, lutando por metas ou objetivos, mas, repito, não por ideais. O que gostaria de sublinhar é que o adolescente que preenche a sua vida só com essas coisas está esvaziando-a de ideais. E uma vida vazia de ideais está a caminho da infelicidade. Seria bastante lamentável que os filhos ou os pais se iludissem a si próprios neste ponto. E seria pior ainda que os pais iludissem os filhos.

 

     Não é verdade que os caminhos pelos quais muitíssimos pais parecem empurrar os seus filhos são caminhos de egoísmo, de vaidade tola ou de ambição estreita? Mas por quê? Por que esses pais foram tão maus alunos na escola da vida? Como podem estar tão pouco interessados em poupar aos filhos, na medida do possível, os erros que cometeram na sua própria inexperiência?

 

Filhos orgulhosos dos seus pais?

 

     Será provável que tais filhos venham um dia a orgulhar-se dos seus pais ou de si próprios? Não sei. Mas conheço rapazes e moças que, acertada ou erradamente, chegaram à conclusão de que a preocupação que os seus pais tinham de vê-los como os primeiros no estudo, nos esportes e na popularidade, se devia mais à vaidade do pai e da mãe do que a um respeito autêntico pela personalidade do filho ou a uma compreensão profunda e madura (que se devia poder esperar de um adulto) das qualidades que levam a construir a verdadeira felicidade. Não se esqueça que um dos aspectos mais elementares da psicologia familiar é que o empenho de um pai por ver o filho ou a filha alcançar o sucesso é muitas vezes o reflexo inconsciente do desejo que esse pai tem de compensar os fracassos que experimentou na sua própria juventude.

 

     Esses jovens ficarão contentes consigo próprios se, vinte ou trinta anos mais tarde, fizerem um sincero exame pessoal e se encontrarem vazios de ideais? Tenho dúvidas quanto a isso. Não é mais provável, pelo contrário, que passem por uma experiência semelhante à que nos conta Julien Green no seu Diário? Aos quarenta e dois anos, esse escritor lança um olhar retrospectivo, e a partir das suas recordações cria um diálogo com o seu próprio "eu" de vinte e cinco anos atrás. Mais do que um diálogo, é uma espécie de interrogatório em que a sua distante juventude, repleta de ideais, acusa a realidade empobrecida e miserável que constitui o resultado final dos seus anos maduros: "Você me enganou. Você me roubou. Onde estão todos aqueles sonhos que eu lhe confiei? O que fez você com toda a riqueza que fui suficientemente tolo em colocar nas suas mãos? Eu me responsabilizei por você, fui o seu fiador; e você me levou à falência. Eu deveria ter-me ido embora com tudo o que ainda era meu e que você, de lá para cá, desperdiçou. Longe de admirá-lo, eu o desprezo". E Green acrescenta: "E o que alegaria o mais velho desses dois em sua defesa? Podia falar de toda a experiência adquirida e da sua sólida reputação. Podia revirar os bolsos e revolver desesperadamente as gavetas da sua escrivaninha, à procura de algo que justificasse a sua vida. Mas a defesa não deixaria de sair-lhe mal, e penso que se sentiria completamente envergonhado de si mesmo" [2].

 

IDEAIS E MODELOS

 

Heróis humanos

 

     Os jovens raramente se entusiasmam com ideais abstratos, mas são facilmente atraídos por pessoas e personagens ideais ou idealizados que encontram na vida real ou que lhes são sugeridos pela ficção (romances, filmes, etc.). Se tivermos em conta esta idéia, os seguintes pontos podem ser úteis:

 

a) O mundo moderno está tão dominado pelo mercantilismo e pelas public relations que muitas vezes é difícil distinguir entre o real e o fictício. Não é exagero dizer que a imagem que nos é apresentada de muitas pessoas reais (cantores de música pop, estrelas de cinema, atletas, corredores de Fórmula 1) é em ampla medida um mero produto de ficção. Ora, a versão fictícia da vida de uma pessoa real pode exercer uma influência maior do que a apresentação da vida de uma pessoa fictícia (por exemplo, um personagem num seriado da TV), porque o leitor ou o telespectador sabe que este último é fictício, mas pode pensar que o anterior é real. Por conseguinte, se os "valores" do primeiro forem negativos, serão capazes de provocar um prejuízo muito maior.

 

b) Via de regra, os heróis dos romances modernos das telenovelas, etc., têm menos virtudes humanas do que os heróis dos romances populares ou das narrativas de trinta ou de cinqüenta anos atrás. Os "heróis" modernos, com efeito, apresentam freqüentemente toda uma série de características do anti-herói; com exceção da sua bravura (que às vezes dificilmente se distingue da temeridade de quem encara a própria vida com desprezo), costumam ser cruéis, inescrupulosos, insinceros, indignos de confiança, sexualmente promíscuos, egoístas, superficiais, inconstantes e vaidosos...

 

c) Os pais que compreendem a gravidade deste último ponto fariam muito bem se tentassem fomentar nos seus filhos adolescentes (a partir dos dez a doze anos) um certo gosto pelos relatos de aventuras e façanhas autenticamente grandes - de ficção (Júlio Verne, por exemplo), ou da vida real (explorações geográficas, descobertas científicas, alpinismo ou conquistas espaciais, etc.) - e por conhecerem as biografias de verdadeiros heróis humanos. Deste modo, os filhos se familiarizariam com detalhes reais - com os altos e baixos, as esperanças e os desapontamentos, o sofrimento e a tenacidade - dos heróis da vida real. É melhor que um rapaz se entusiasme pela vida e pelas aventuras de um explorador do Ártico ou de um alpinista das montanhas do Himalaia do que por uma estrela do futebol ou por algum artista extraído do show-business contemporâneo.

 

     Por outro lado, as moças parecem deixar-se cativar mais facilmente pelo brilho barato das lantejoulas com que se vestem as atrizes, as modelos, as estrelas de cinema. Se é assim, temos aqui um especial desafio para os roteiristas de filmes e novelas, para os romancistas, etc.: dedicarem os seus talentos à tarefa de criar ou de apresentar, de forma literária, jornalística ou artística, figuras capazes de despertar uma admiração mais profunda e mais nobre entre as moças [3].

 

Os pais como ideal dos seus filhos?

 

     Todos os pais - e todas as mães - podem lutar por ser de algum modo, se não o ideal dos seus filhos, pelo menos um modelo para eles; ou melhor, uma cópia do modelo. Para modelo e ideal, como veremos daqui a pouco, já existe Alguém. Mas uma cópia, mesmo uma cópia pobre, pode transmitir alguma idéia do original.

 

     Fique claro, porém, que os pais não devem tentar ser o ideal dos seus filhos. Não o conseguirão. Não nasceram para isso. Os pais que quisessem ser o ideal dos seus filhos estariam tentando erigir-se em ídolos, em falsos deuses. E ao chegar a decepção (porque chega), poderia custar-lhes caro: caro para os pais, caro para os filhos e caro para a adequada relação que deve existir entre pais e filhos.

 

     Há uma idade em que muitas crianças tendem a "idolatrar" os pais, e em especial o pai (talvez a mãe esteja demasiado perto delas, ou seja suficientemente sensata para não permiti-lo). Enquanto durar, essa idolatria poderá satisfazer a vaidade do pai, mas o seu senso comum, bem como o seu sentido de lealdade para com o filho, deve abreviar esse período ao máximo. O pai deve ser o primeiro a espetar com um alfinete essa bolha, antes que a própria vida o faça. Se um rapaz vê o pai jogar tênis muito melhor do que ele, e começa a pensar que o seu pai joga melhor do que todo o mundo, o pai deve ter pressa em desenganá-lo, mostrando-lhe um verdadeiro campeão. Se o garoto pensa que o seu pai é o maior especialista do mundo em física ou em astronomia, o pai poderá dizer-lhe que vá procurar numa enciclopédia os nomes de alguns ganhadores do Prêmio Nobel...

 

     A tentação de "brincar de deus" na própria casa é uma tentação absurda. Mas muitos pais se entretêm com ela durante algum tempo. Pais tolos. Os pais sensatos descem do pedestal quanto antes. Não farão alarde das suas limitações, defeitos ou erros, mas também não se comportarão como hipócritas, tentando encobri-los diante dos filhos. Como faz bem a sinceridade dos pais com os filhos! Assim as crianças compreendem que os seus pais não estão satisfeitos consigo próprios ou centrados em si mesmos, mas vivem para um ideal mais elevado.

 

O ideal é Cristo

 

     Se os pais têm de estar constantemente alerta para não adulterarem o idealismo adolescente com falsos ideais ou com ídolos indignos, nem deixá-lo desvirtuar-se com metas egocêntricas que só tendem a tornar uma pessoa egoistamente infeliz ou conscientemente frustrada, quais são os ideais autênticos que se devem apresentar aos jovens?

 

     Os ideais cristãos, naturalmente. Ou, mais precisamente, o ideal cristão - que é Cristo. Se Cristo se torna real e verdadeiramente o ideal de determinada pessoa, então todos os outros ideais humanos verdadeiros dessa pessoa passam a centrar-se nEle e encontram assim apoio, estímulo e purificação. Sem Cristo no centro, todos os outros ideais humanos evaporam-se.

 

     Pergunto-me se esta idéia - de que Jesus Cristo deve ser o ideal do jovem - poderá parecer surpreendente, ou insuficiente, ou teórica. Se isso acontecer, é certamente um sinal de como despersonalizamos a nossa religião, tornando-a fria e sem vida. Será possível que tenhamos reduzido a nossa religião a uma espécie de transação comercial - comprando o céu em troca de observarmos certas regras e de vivermos dentro de um sistema -, quando deveria ser, pelo contrário, uma questão de cumprirmos essas regras porque amamos uma Pessoa, porque amamos Jesus Cristo (e, através dEle, o Pai e o Espírito Santo)? Não é deste modo - como um caso de Amor - que deveríamos ver a nossa religião? Como um caso de Amor que aqui, na terra - onde estamos constantemente procurando e encontrando o Senhor, conhecendo-o, retornando a Ele se o abandonamos, aprendendo a servi-lo, apresentando-o aos outros -, é como um prolongado mas entusiasmante noivado, que chegará à consumação, à união gloriosa e plena na Eternidade.

 

     Se, apesar de tudo, a idéia de que a Pessoa de Cristo constitui o ideal de que os nossos jovens precisam (e nós mesmos) ainda nos parecer demasiado teórica ou distante da realidade para ser prática, isso será uma prova clara da nossa falta de trato e de amizade com Ele. Refletir um pouco ajudar-nos-á a compreender onde erramos.

 

     Duvidamos de que Cristo possa realmente atrair os jovens de hoje? Como O conhecemos mal! E como os conhecemos pouco! Precisamente nos nossos dias, repelimos com exagerada prontidão fenômenos à margem da fé como os Jesus Movements, por considerá-los meros "fogos de palha" emocionais, e deixamos de ver que inúmeros jovens, incluindo muitos que rejeitam o que chamam "religiões institucionalizadas", se sentem fortemente atraídos pelo mero conhecimento humano da figura de Jesus.

 

     E que aconteceria se eles O conhecessem melhor? Alguns, sem dúvida, abandonariam o seu entusiasmo, porque o verdadeiro Jesus é exigente, uma vez que é Deus. Mas muitos outros - mais nobres, mais conscientes de que um ideal exige sempre sacrifício -, muitos outros se aproximariam porque Jesus Cristo, apesar de todas as suas exigências, e talvez por causa delas, atrai.

 

     Se um bom pai ou educador, situado num nível puramente natural, compreende que o idealismo próprio dos jovens é um sinal de que sabem estar feitos para coisas grandes e de que de algum modo ficam impacientes enquanto não puderem ascender em direção a essa meta, os pais ou educadores cristãos deveriam ver nesse idealismo um trampolim que permite aos jovens alcançar Cristo. Talvez essa tarefa não possa ser expressa de modo mais conciso do que numa fórmula constantemente repetida por Mons. Escrivá: é preciso educar os filhos, desde a infância ou em plena adolescência, de tal modo que os seus corações vibrem com um ideal: procurar Cristo, encontrar Cristo e relacionar-se com Ele; amá-lo e permanecer com Ele.

 

CRISTO COMO IDEAL

 

     O que significa, na prática, ter Cristo como ideal? Eu sugeriria quatro condições principais:

 

a) que os jovens sejam amigos de Cristo;

 

b) que sejam leais com Cristo;

 

c) que se orgulhem de Cristo; e, como conseqüência,

 

d) que procurem dar a conhecer Cristo aos outros.

 

     Vejamos o que cada um destes quatro tópicos implica, e como os pais ou a família podem ajudar os filhos a realizá-los.

 

Amigos de Cristo

 

     Os jovens, por natureza, veneram os seus heróis e heroínas, tanto da ficção como da vida real. Raramente se vê um rapaz ou uma moça que não tenha o seu ídolo. Admiram-nos, lêem as suas biografias, emocionam-se com a menor oportunidade de vê-los de longe, sem grandes possibilidades de vir a falar-lhes, e muito menos de tornar-se seus amigos.

 

     E nós achamos que Jesus Cristo - perfeito Deus e perfeito Homem - não será capaz de atraí-los? Se eles querem um superstar, esse é Jesus, não na triste paródia teatral, mas na realidade impressionante de um Deus-Homem que dá a vida por amor de cada um de nós.

 

     Mas como conhecê-lo e amá-lo cada dia mais, se não se ganha familiaridade com a sua vida mediante uma leitura habitual? Se alguém me diz: "Ah, você se refere ao Evangelho? Bem, eu já o li. Já sei do que trata", será preciso esclarecer-lhe que não, que não se é capaz de saber o que é a vida do Deus feito homem numa única leitura, nem em mil. É necessário ler o Evangelho todos os dias, e assim se compreenderá que sempre se descobrem coisas novas, que sempre é possível conhecê-lo melhor e sentir-se cada vez mais atraído pela figura do Senhor.

 

     Além disso, Jesus, que é tão admirável, vive. Você pode conversar com Ele. E aí temos a oração - que nada mais é do que conversar com esse Amigo - como o segundo meio principal de estreitarmos a nossa amizade com Ele [4]. São cinco minutos diários, em que usamos as nossas próprias palavras, cheios de fé, pensando que o Senhor nos vê, nos ouve, nos compreende e nos ama. Sentimos necessidade de falar com Ele e de ouvi-lo na nossa oração, e ao mesmo tempo de recebê-lo e de sermos alimentados por Ele na Eucaristia. Receber a Eucaristia significa deixar que o próprio Deus "trabalhe" dentro de nós, comunicando-nos a sua própria vida e fortalecendo a nossa fé e o nosso amor.

 

     É difícil fazer com que um jovem compreenda tudo isto? Penso que não. Mas dependerá principalmente do que veja e perceba na sua própria família. Os pais podem ser católicos "praticantes", podem até ser paroquianos exemplares e tudo o resto, mas... se o jovem não adquire a convicção crescente de que a religião, para os seus pais, significa acima de tudo uma amizade pessoal com um Amigo a quem ele próprio ainda conhece mal, é pouco provável que se sinta estimulado a procurar essa amizade.

 

     As coisas são muito diferentes quando os filhos notam que os seus pais, ao rezarem, estão realmente falando com Deus. Por outro lado, pouquíssimas aulas de religião poderão ensinar-lhes mais sobre o que é a Eucaristia do que uns minutos de ação de graças dos pais depois de terem comungado. É bom que haja práticas de piedade familiares e que os filhos participem voluntariamente delas. Não é verdade, por exemplo, que participariam com outra boa vontade da recitação do terço, se soubessem que essa devoção está intimamente unida ao Evangelho, e que é - nas palavras do Papa Paulo VI - um caminho de contemplação "dos mistérios - das ações - da vida de Cristo, vistos através do Coração dAquela que mais próxima esteve do Senhor"? [5]

 

Leais com Cristo

 

     Em segundo lugar, como dissemos, deve haver lealdade para com Cristo. Quanto maior for a amizade, mais fácil será a lealdade. De qualquer forma, convém ressaltar que uma das expressões essenciais da amizade com Deus é o perdão: por um lado, o Senhor, que é Deus, não se cansa de conceder-nos o perdão; por outro, nós, que somos humanos e o ofendemos com muito freqüência, devemos aprender a pedir-lhe perdão.

 

     Uma primeira expressão de lealdade, portanto, é arrepender-se imediatamente depois de uma falta, e, se necessário, confessar-se. Este é o processo pelo qual se faz renascer o amor. Será necessário, então, insistir em como é importante que as crianças vejam os seus pais confessar-se com freqüência?

 

     Já que hoje em dia se fala tanto de liberdade, especialmente entre os jovens, é bom lembrar-lhes que liberdade significa a capacidade de dizer "sim" ou "não"; que, quando dizemos "sim" a alguma coisa, dizemos "não" a inúmeras outras. O que importa, em suma, não é sermos capazes de dizer "sim" a nós mesmos, como se isso fosse uma maneira de reafirmarmos ou defendermos a nossa personalidade. Afinal de contas, dizermos "sim" a nós mesmos geralmente significa dizermos "sim" ao nosso egoísmo - o que não é sinal de personalidade, mas de fraqueza e auto-indulgência. Para uma personalidade autêntica, o que importa é a capacidade de dizer "sim" aos outros, em todas as exigências nobres que a convivência com eles traz consigo. O que importa acima de tudo é sermos capazes de dizer "sim" a Deus, pois isso é amá-lo; e continuarmos a dizer "sim" mesmo quando nos seja difícil, pois isso é que é sermos leais com Ele.

 

     Quanto ajuda a um jovem aprender que esta é a alternativa implicada em qualquer problema moral: a de ser leal ou desleal a Cristo! Que compreenda que a vida de todos nós é uma história de altos e baixos, e que ora vamos para um lado, ora para outro; e que salvação significa termos mais altos do que baixos, compensando os nossos atos de deslealdade com atos de lealdade.

 

Orgulhar-se de Cristo

 

     "Vocês têm de aprender a viver uma vida cristã num ambiente pagão", costumo dizer aos jovens. Isto é verdade porque, para todos os efeitos práticos, a atmosfera moral e social que hoje nos rodeia é pagã. Nunca é fácil nadar contra a corrente ou opor-se aos modismos em voga. E pode-se experimentar a forte tentação de ceder, de calar-se, de ocultar que se é cristão, de temer o que os outros possam dizer. Pode-se sentir, numa palavra, a tentação de envergonhar-se da fé, o que é o mesmo que envergonhar-se de Cristo.

 

     São Paulo, em outra época de paganismo, sentiu esta tentação ou, pelo menos, percebeu que ela poderia atingir os seus irmãos cristãos. E por isso animou-os dizendo-lhes no seu estilo sempre vigoroso: Eu não me envergonho do Evangelho (Rom 1, 16). São Paulo não conviveu com Cristo durante os anos da vida do Senhor na terra, mas chegou a conhecê-lo muito bem através da oração e da meditação de todos os pormenores que pôde aprender de terceiros sobre Jesus (pormenores que também nós podemos aprender através do Evangelho). E estava bem lembrado daquelas palavras do Senhor: Porque, se nesta geração adúltera e pecadora alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier (Mc 8, 38). Não se envergonhava de Cristo nem da sua doutrina; pelo contrário, sentia-se feliz e orgulhoso de segui-lo. Se nós ajudássemos os nossos jovens a conhecer a figura de Cristo, facilmente sentiriam o mesmo orgulho santo e saudável de segui-lo.

 

     Especifiquemos algumas das manifestações deste orgulho santo: um cristão deve sentir-se orgulhoso da amizade com Cristo, orgulhoso da doutrina de Cristo, orgulhoso do exemplo de Cristo.

 

     Orgulhoso da amizade com Cristo - É assim que um cristão deve sentir-se, orgulhoso da amizade que Cristo tem por ele, orgulhoso das manifestações de amizade para com o Senhor que ele mesmo deseja ter. Deve, pois, orgulhar-se da sua piedade - o que simplesmente significa que cumprirá devotamente as suas práticas religiosas. Não se envergonhará, por exemplo, de ir à Missa, ou de que os outros notem que procura acompanhá-la bem, sem consentir nas distrações. Não se envergonhará de rezar o Angelus, ou de fazer uma visita ao Santíssimo Sacramento, mesmo que os amigos com quem está ergam as sobrancelhas. E viverá essas expressões de piedade sem complexo de beato, porque sabe muito bem que se limita a viver umas poucas coisas das quais tem boas razões para se orgulhar. Tal como um filho que se orgulha dos seus pais ou dos seus irmãos e irmãs: quando sai de casa para estudar ou trabalhar em outra cidade, não se importa de que os seus companheiros saibam que lhes escreve, telefona ou compra algum presente.

 

     Orgulhoso da doutrina de Cristo, pois é um ensinamento que liberta as pessoas. Conhecereis a verdade, diz Cristo, e a verdade vos libertará (Jo 8, 32).

 

     Num mundo cada vez mais dominado pelo ódio, pelo egoísmo e pelas paixões descontroladas, não deveria ser difícil (e, segundo a minha experiência, não o é) estimular o entusiasmo dos jovens pela nobreza humana da vida cristã. Devemos lembrar-lhes umas palavras de Mons. Escrivá: "Temos que comportar-nos de tal maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque ama". Devemos explicar-lhes que este programa se baseia numa rebeldia constante e real, a maior das rebeldias em que uma pessoa pode envolver-se - como Mons. Escrivá costumava dizer -, e a única que realmente vale a pena: a rebeldia de cada um contra o seu próprio egoísmo.

 

     Insisto. Se, por exemplo, falamos clara e positivamente aos jovens sobre a pureza, sei por experiência que não lhes é nada difícil perceber a lastimável hipocrisia dos que rejeitam toda a restrição em matéria sexual como um sinal de entulhos puritanos. Compreendem que os que assumem esta linha, longe de serem mais livres ou mais maduros, são na verdade mais fracos e mais escravizados, e sobretudo incapazes de um amor real. E, novamente em frase do Fundador do Opus Dei, entendem que a pureza é uma "afirmação gozosa"; que é uma condição da liberdade, da graça, do amor, e que se é feliz ao lutar para ganhar essa virtude.

 

     No caso das moças, isto pode ser especialmente importante. É óbvio que uma moça ou mulher somente lançará ao monturo a sua inata modéstia feminina se fizer violência à sua própria natureza. Se apesar de tudo o fizer - e muitas o fazem hoje em dia -, a conseqüência lógica é que os homens deixarão de respeitá-la. Poderão olhá-la, mas não poderão admirá-la: os seus olhos expressarão desejo, expressarão qualquer coisa menos respeito. Afinal de contas, o que um homem - um homem de verdade, e não um animal humano - procura numa mulher é algo mais do que meros atrativos físicos; procura delicadeza, graça, ternura, sensibilidade, compreensão, personalidade, pudor e modéstia. Estas são as qualidades que pode admirar. Se não as encontra, a sua admiração pelos atrativos físicos da mulher degenerará em mero desejo, e a sua atitude perante a mulher, enquanto pessoa, em desprezo.

 

     Será tão difícil para uma moça compreender que há uma grande diferença entre ser olhada e ser admirada? Ou que, se não se vestir e se comportar como deve, levará os homens a desejá-la de maneira suja, a não respeitá-la e a desprezá-la? A uma mãe que realmente ame a sua filha, não lhe será difícil explicar-lhe estes aspectos. Na medida em que apoiar as suas palavras no exemplo, não terá dificuldade em explicar à filha que a modéstia, numa mulher, é simplesmente expressão da sua vontade de ser tratada como pessoa e não como objeto.

 

     Estas reflexões devem ajudar-nos a apreciar uma vez mais a beleza da moral cristã que, como vemos, é ao mesmo tempo apoio e defesa dos valores humanos. Como pode alguém deixar de orgulhar-se de critérios morais que são a verdadeira base da própria nobreza humana?

 

     É evidente que a verdade de Cristo, que nos liberta, não se refere unicamente à esfera da sexualidade. Como não sentir também orgulho da doutrina de Cristo que nos faz conhecer-nos a nós mesmos e superar o medo de reconhecer que somos pecadores? E que nos ajuda a evitar a solidão da soberba, tornando-nos humildes, abertos e compreensivos com os outros?

 

     E sentiremos ainda orgulho dessa doutrina de Cristo porque nos ensina que o mundo é bom - como meio, e não como um fim em si mesmo. Graças a ela, temos defesas contra as tentações de todas as falsas filosofias que prometem continuamente ao homem um paraíso hedonista e materialista aqui na terra. A doutrina de Cristo, ensinando-nos que o nosso tesouro duradouro e real se encontra no céu com Ele, e encorajando-nos a também pôr lá os nossos corações, ajuda-nos precisamente a ser mais desprendidos, menos invejosos e avaros, e mais capazes de nos preocuparmos verdadeiramente com a felicidade e o bem-estar material dos outros.

 

     Ninguém deve superar o cristão na sua preocupação pelos outros. Também isto faz parte daquilo que o seu ideal, Cristo, lhe ensina.

 

     Orgulhoso do exemplo de Cristo - É por isso que dizia que o cristão deve orgulhar-se do exemplo de Cristo, do modo como Cristo se entregou aos outros, e também das maneiras como ele próprio pode imitar esse exemplo de dedicação e de serviço. Ao tentar cumprir o novo mandamento de Cristo sobre o amor mútuo - Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 35) -, o cristão deve lembrar-se daquelas outras palavras do Senhor: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20, 28).

 

     Servir os outros: que grande ideal! E como é raro encontrá-lo hoje! Há contextos em que a palavra é usada - servente, serviço doméstico - de um modo que evidentemente visa ofender muitas pessoas. Mas, ao fim e ao cabo, esse ideal continua a exercer uma poderosa atração sobre os jovens do nosso tempo. E sabemos como isso é verdade pelos inúmeros grupos de jovens que prestam serviços voluntários no campo, nos asilos, nas escolas rurais, etc.

 

     O mais comum e talvez o mais admirável exemplo de serviço realizado por amor é o das mães na sua dedicação ao lar. Se cada filho e cada filha receberem uma tarefa dentro da família, compreenderão facilmente que cumprir bem o dever que lhes cabe é um modo de servir os outros, um modo de amá-los. E se às vezes se queixarem, por sentirem o peso dessas tarefas, essa será precisamente a melhor oportunidade de ensinar-lhes que o amor às vezes custa - inegavelmente -, mas que essas dificuldades inevitáveis não devem roubar o sorriso que sempre pode acompanhar o amor e o serviço. Se os pais, na sua dedicação à família, estiverem sempre (ou quase sempre) sorrindo, estarão transformando a sua casa numa escola admirável do espírito e do idealismo cristão.

 

     O serviço como um ideal - Às vezes, porém, encontramos mães cristãs que se sacrificam incansavelmente pela família, mas não parecem ser capazes de apreciar e de encorajar os vários modos com que as suas filhas procuram dar vazão ao seu nobre desejo de servir. Não se entusiasmam quando uma das filhas quer estudar enfermagem, assustam-se quando outra decide estudar ciências domésticas, aceitam a idéia de que outra se torne professora - mas com que relutância!... Felizmente, os instintos das moças, nestas matérias, costumam ser mais saudáveis do que os preconceitos das suas mães.

 

     Algumas profissões, obviamente, exigem um espírito de serviço particularmente grande, e é importante ajudar os jovens a apreciar este aspecto da carreira profissional que pretendem seguir. A medicina destaca-se talvez como a mais nobre de todas as carreiras humanas, e no entanto estamos numa época em que a própria natureza dessa profissão vem sendo ameaçada pelos movimentos antivida (aborto, esterilização, contracepção, eutanásia). Há uma necessidade urgente de revalorizar o verdadeiro sentido da profissão médica como um serviço à vida. Os médicos podem fazer muito neste campo, participando de cursos de orientação profissional, etc., comunicando os ideais profissionais nobres e autênticos aos jovens que pensam tornar-se médicos ou enfermeiras.

 

     Pensemos no serviço militar. Nos países em que é obrigatório, pode certamente ser mais difícil para os jovens apreciarem as suas nobres qualidades de serviço à pátria. No entanto, é da máxima importância que esse espírito de serviço desinteressado se mantenha e cresça nas forças armadas.

 

     E que dizer do serviço público? Que dizer da política como uma profissão de serviço? Talvez seja esta a profissão mais importante, mas freqüentemente é a menos cristianizada. Naturalmente, ao falar de política cristã, não me refiro a políticas de direita ou de esquerda, mas simplesmente a uma filosofia política e a uma prática política norteadas pelo ideal de serviço ao bem comum. A política é, com efeito, uma profissão nobre quando os políticos cultivam o ideal de serviço e, ao exercerem a autoridade, a exercem para servir.

 

     É difícil de alcançar? Sim, é difícil. É utópico ou impossível? De maneira nenhuma. Pensar que nunca se alcançará é demonstrar uma injusta desconfiança quanto ao idealismo dos nossos jovens, que serão os políticos de amanhã. Equivale a dizer que a ânsia de poder - a procura de posições de autoridade unicamente pelo orgulho e pelo egoísmo de mandar - sempre prevalece sobre o altruísmo, a lealdade e a nobreza. Por que pensar assim? Não podemos ter uma visão tão pessimista nem tão determinista. Devemos, pelo contrário, pensar que, se os nossos jovens tiverem sempre diante dos olhos o amor de Cristo, serão melhores servidores do bem comum do que quaisquer outros.

 

     Em suma, é necessário examinar cada profissão para precisar e sublinhar o seu aspecto de serviço aos outros e à sociedade. E ao fazê-lo, perceberemos como o cristão que quer imitar Jesus Cristo tem mais motivos do que ninguém para converter as suas generosas ânsias de servir na principal inspiração do seu trabalho profissional.

 

     O ideal nos estudos - Talvez possamos concluir este item com uma referência mais específica ao tema do estudo. Poucos adolescentes são "ratos de biblioteca" por natureza. A maioria acha difícil estudar. Ora, se não estudarem, não amadurecerão para a vida nem serão capazes de ganhar o seu sustento; por conseguinte, parece evidente que temos de "empurrá-los" para que estudem.

 

     É verdade. Mas "empurrá-los" talvez não seja a expressão mais adequada. Os resultados de um empurrão não costumam levar muito longe. Podemos empurrar um carro com o motor desligado, e avançará; mas assim que deixarmos de empurrá-lo, voltará a parar. O que realmente se tem de fazer é ligar o motor, e então o carro andará por si mesmo. Algo parecido acontece com os estudos dos jovens. Ameaças de punição, a perspectiva de perderem as férias por causa das provas de recuperação, aulas particulares..., todas essas coisas podem servir como um empurrão momentâneo, mas nenhuma vai à raiz do problema. E tão logo cesse a pressão imediata, a preguiça retornará e os estudos do rapaz ou da moça voltarão ao velho ritmo de sempre. E aí estarão eles de novo, arrastando-se numa penosa marcha lenta, muito inferior às suas capacidades.

 

     O importante, ao lidar com estudantes jovens, não é tanto empurrá-los de fora, mas fazer com que se movam por impulso próprio. A chave está em motivá-los. Isso é o que os fará pôr-se em andamento.

 

     Mas gostaria de ressaltar que as motivações a oferecer-lhes devem ser sérias e duradouras; e, se possível, nobres. Do que vimos no início deduz-se claramente que a promessa de recompensas ou de prêmios não é uma boa motivação. Também não é suficiente ameaçá-los ou encorajá-los com argumentos do tipo: "Se você não aprender a estudar, nunca será um homem", "Se você não estudar, nunca entrará na universidade, nunca será capaz de levar uma família para a frente..." Isso não basta. O que deve levá-los a estudar, já desde os seus primeiros anos, têm de ser os seus ideais.

 

     O principal motivo a apresentar-lhes é o de que estudar agrada a Deus. Deus quer que cada um cumpra os deveres próprios do seu estado. A tarefa do estudante é estudar. Ao estudar, portanto, está cumprindo a vontade de Deus, e convém que tenha consciência disso. Neste sentido, pode servir-lhe de ajuda ter diante de si um pequeno crucifixo na mesa ou sobre as páginas do livro. Assim aprenderá a estudar por amor, para agradar a Deus, a quem ama, e descobrirá que uma hora de estudo, ao invés de ser uma espécie de martírio, ou pelo menos um aborrecimento colossal, pode ser uma hora de amizade: "uma hora de oração" [6].

 

     Outro motivo de inspiração para o estudo é a preocupação apostólica. O rapaz ou a moça devem saber que podem oferecer cada momento de estudo pelos outros. Mas também é importante que compreendam que, estudando bem hoje, estarão lançando as bases de um trabalho importante no futuro. Ir-se-ão qualificando para poderem tornar-se pessoas em quem Deus possa confiar mais tarde, nos seus anos de Universidade, quando formarem uma família, na sua vida profissional; para que o seu prestígio profissional solidamente adquirido e o seu espírito de serviço aos outros ajudem a levar Cristo - com todos os valores e ideais nobres que a sua presença inspira - às mais variadas atividades humanas.

 

Desejos de apresentar Cristo aos outros

 

     Os jovens formados deste modo não ficarão na defensiva com relação ao seu cristianismo. Orgulhosos de Cristo e orgulhosos de tudo o que Ele lhes ensina para o seu bem e para o bem da humanidade, quererão dá-lo a conhecer, difundir a sua fé, compartilhar a alegria que causa tornar-se amigo dEle e segui-lo. Em outras palavras, farão apostolado, o que não implica uma intromissão impertinente na vida alheia, ou uma falta de respeito à liberdade ou aos direitos dos outros, mas simplesmente a disposição de estimulá-los mediante o exemplo de uma vida generosa, limpa e alegre, e de despertá-los para as coisas belas e grandes que se podem descobrir na vida.

 

     Mons. Escrivá costumava dizer com freqüência que os cristãos no mundo devem atuar com "complexo de superioridade". Não indicava com isso uma atitude de desprezo pelos outros; pelo contrário, esse complexo de superioridade traz consigo o desejo de que todos abram os olhos, ergam a cabeça e descubram as magnalia Dei, as maravilhas de Deus que nós, apesar dos nossos defeitos e infidelidades, e graças à Sua misericórdia, conhecemos e somos capazes de contemplar.

 

     Lembro-me de uma antiga piada inglesa sobre a diferença entre um diplomado em Cambridge e um diplomado em Oxford. O de Cambridge dá a impressão de ser o dono do mundo, ao passo que o de Oxford dá a impressão de não se importar nem um pouco com quem é o dono do mundo... Sempre tive desejos de acrescentar, com toda a seriedade, que nós os cristãos devemos dar a impressão de que sabemos muito bem Quem é o dono do mundo: o meu Pai - que é Deus. Sei que Ele é meu Pai e que eu sou seu filho. E tantos outros à minha volta, que são ou podem ser filhos e herdeiros de Deus, parecem não o saber. Temos que dar-lhes uma boa sacudidela!

 

E PERANTE OS OUTROS?

 

     Há uma última pergunta que poderíamos fazer a respeito do jovem cristão que tenta viver esta vida de verdadeiro idealismo desde o começo da adolescência: qual deve ser a sua atitude perante as outras pessoas? É verdade que há muitas facetas a abordar aqui, mas quero deter-me num ponto em particular. A sua atitude perante os outros deve ser, em boa medida, uma atitude de surpresa. Deve ficar surpreendido, verdadeiramente atônito, com a falta de ideais que vê em tantas pessoas à sua volta ou com os falsos ideais que às vezes procuram.

 

Surpresa

 

     Deve ficar surpreendido. Penso que vale a pena examinar esta atitude de surpresa, pois trata-se de um fator da maior importância tanto para defendermos eficazmente os nossos próprios ideais cristãos como para os comunicarmos aos outros.

 

     Um sinal da fraqueza da fé e dos ideais de muitos cristãos de hoje é que manifestam pouca ou nenhuma surpresa diante de situações, idéias ou atitudes correntes que não somente são anticristãs mas até desumanas. Obviamente, semelhante falta de reação psicológica - rejeição profunda e indignada dos erros ou aberrações em voga - debilita-lhes não só as defesas contra esses males, mas também a capacidade de convencer os outros de que essas coisas são realmente um mal.

 

     Vem-me à memória um dos primeiros conselhos que recebi sobre o ofício de lecionar. Disseram-me que um simples olhar de surpresa do professor obtém na criança uma mudança de conduta mais rápida do que uma explicação argumentada. Ponha um olhar, diziam-me, de quem exclama: "Como é possível que um garoto de dez anos faça uma coisa dessas?", e você verá os resultados. Gostei da idéia. Mas os anos levaram-me a desconfiar da fórmula, pelo menos no que diz respeito a crianças precisamente dessa idade. A minha experiência é que, não importa com que surpresa você olhe, o garoto pode devolver-lhe o olhar com o maior sangue-frio, como quem diz: "Quero ver quando o senhor aprende que um garoto de dez anos é capaz de fazer uma coisa dessas - e muitas outras..." O olhar de surpresa do professor deixa-o absolutamente indiferente, ou até pode ser que o divirta.

 

     Penso, porém, que o que estava errado não era a técnica pedagógica, mas a idade. O truque do olhar surpreendido, que não abala quem tem dez ou onze anos, pode ser bastante eficaz com uma pessoa mais velha, especialmente com os adolescentes, que, entre os catorze e os vinte anos, são bastante sensíveis ao que os outros pensam deles e têm muito medo de passar por tolos.

 

Quem se faz de tolo?

 

     Além disso, relativamente ao tema que nos ocupa - o apostolado -, não se tratará de um estratagema, mas de uma reação que deve ser autêntica: trata-se de não deixarmos de surpreender-nos diante de atitudes que são realmente surpreendentes.

 

     É um campo em que os cristãos terão de recuperar terreno, pois inexplicavelmente deixaram que boa parte da vantagem "psicológica" passasse para o campo inimigo. Tanto é assim que hoje em dia não poucas pessoas se "surpreendem" de que alguém à missa, ou não tenha lido o último best-seller obsceno, ou não tenha assistido ao último filme pornográfico.

 

     Diante dessa situação, parece-me urgente não somente voltar a acentuar o sentido do pecado, mas também recuperar o sentido do ridículo. Caso contrário, haverá pessoas que continuem a pensar: "Sei perfeitamente que, se assistir a esse filme ou ler este livro, estarei cometendo um pecado; mas se não o fizer, estarei fazendo o papel de bobo", quando a verdade é que, se assistem ao filme ou lêem o livro, não só cometem um pecado, mas também caem no ridículo! Sem dúvida, é mais importante convencer essas pessoas de que estão cometendo um pecado, mas, para começar, pode ser mais fácil fazê-las perceber que estão fazendo o papel de tolos. E estão mesmo. E nós devemos surpreender-nos, e manifestar essa surpresa.

 

     Há, portanto, dois pontos que interessa sublinhar aqui. A nossa surpresa pode ser a melhor proteção contra um possível enfraquecimento da nossa firmeza nos princípios e na conduta: afinal de contas, se não reagimos com surpresa perante o absurdo - perante a pobreza intelectual e a degradação humana - das atitudes que alguns cristãos assumem, podemos passar a encará-las como algo razoável ou respeitável...

 

     Por outro lado, a nossa surpresa pode representar um choque saudável para esses cristãos incoerentes; pode ser uma experiência prévia necessária precisamente para sacudir as suas mentes embotadas e pô-las a trabalhar, fazendo-as compreender até que ponto surpreendente se estavam deixando enganar ou se estavam enganando a si próprias.

 

     É surpreendente, realmente surpreendente, que uma pessoa afirme não crer em Deus, ou que defenda como uma proposição razoável a idéia de que o mundo saiu sozinho do nada. É surpreendente que o afirme, mas seria ainda mais surpreendente que considerássemos essa afirmação como algo inteligente e razoável, e começássemos a discuti-la a sério. Essa atitude não é séria; é absurda. A nossa primeira reação natural, portanto, deve ser de riso. E depois (também por caridade), devemos tentar fazer com que a pessoa em questão encare o tema de maneira mais amadurecida. Numa palavra, devemos tentar fazê-la pensar.

 

     É surpreendente que uma pessoa que se diz católica não reze ou não vá à missa aos domingos; ou vá, mas com a impressão de estar cumprindo uma obrigação sem sentido, e sem a menor consciência de estar recebendo um dom divino. É absurdo.

 

     É surpreendente que uma pessoa se proclame mais "liberada" porque rejeita a necessidade de qualquer tipo de autocontrole em matéria sexual. É absurdo, porque é uma pessoa visivelmente escrava de si mesma.

 

     É surpreendente que uma pessoa "justifique" a sua presença num espetáculo notoriamente pornográfico, apelando para alguns críticos que falam do valor "artístico" dessa obra. Assumir ares de quem absorveu cultura ou refinamento num espetáculo dessa natureza é simplesmente ridículo e absurdo.

 

     É surpreendente que alguém defenda o aborto em nome do humanitarismo, ou que sugira que se trata de um "direito" da mulher sobre o seu próprio corpo... É absurdo.

 

     Qualquer cristão de formação mediana percebe com facilidade o que há de pecaminoso ou de errôneo nestes exemplos ou em outros semelhantes. Mas muitos não chegam a perceber até que ponto esses pecados são pobres, falsos, ridículos e absurdos. O cristão que realmente esteja em contacto com Cristo, que o tenha por ideal e por Amigo, dificilmente deixará de compreendê-lo. E a sua reação será de assombro. E o seu assombro despertará muitas pessoas do sono em que estão mergulhadas.

 

     Tenho visto tantos casos! O rapaz cujo amigo lhe diz que mal pratica a sua religião, e que reage: "Mas será possível que você não vá à Missa?"... "O quê? Você não comunga?"... "Mas é verdade que você não se confessa?"... E o olhar de surpresa - não artificial, mas genuíno - abala o colega. Porque, normalmente, esses colegas têm alguma fé, por mais adormecida que esteja. E o que pode despertá-los e ativá-los, pelo menos no início, não é tanto um argumento razoável, mas o assombro de um amigo: "Você está maluco!"... E eles podem muito bem começar a pensar: "Talvez ele tenha razão. Não será que estou maluco?"

 

     E no caso de um egoísta agarrado ao conforto: "Então você não vê a necessidade de servir os outros? Você acha que está tudo bem assim, olhando apenas para si mesmo? Que vida miserável!..."

 

Salvar o idealismo da falência

 

     Antes de terminar, recordemos as palavras de Mons. Escrivá que citei no começo: "Os jovens sempre tiveram uma grande capacidade de entusiasmo por todas as coisas grandes, pelos ideais elevados, por tudo o que é autêntico". Por tudo o que é autêntico! Cristo é autêntico, ainda que nós, cristãos, freqüentemente não o sejamos. O cristianismo é um ideal autêntico, um ideal que satisfaz e ultrapassa os anseios mais nobres do coração humano. E essa sua autenticidade não pode deixar de tornar-se cada vez mais clara, em todo o seu colossal atrativo, precisamente num mundo como o nosso, tão cheio de falsos "ideais" - de uma falsidade cada dia mais difícil de ignorar.

 

     Pode ser que, em tempos passados, muitos homens não tenham alcançado a plena verdade (a Verdade de Cristo) ou não tenham aceitado o verdadeiro ideal - que é Cristo - por se terem detido no meio do caminho, instalados em ideais exclusivamente humanos e parciais. E aí permaneceram, num meio-termo que combinava uma certa tranqüilidade (já que os ideais parciais não costumam pedir um grande compromisso em todos os campos) com uma certa sinceridade, porque as suas mentes se deixavam cativar pela parcela de verdade que encontravam nesses ideais: observados superficialmente, pareciam trazer o selo de um ideal autêntico e abrangente. Desse modo, muitos homens - sinceros, sem dúvida, mas pouco profundos - foram idealistas. Idealistas e entusiastas dos ideais de igualdade, de liberdade, de fraternidade, de independência do seu país, de libertação dos escravos, etc.

 

     Eram ideais autênticos - até onde podiam sê-lo. E essa autenticidade parcial bastava muitas vezes para cativar os corações dos jovens. Mas hoje em dia, e por toda a parte, a autenticidade parece estar à beira da falência. Continuam a baralhar-se tanto ou mais do que antes os nomes e a terminologia própria dos grandes ideais humanos do passado, mas todos eles vêm recebendo um conteúdo e um significado tão baixos, tão degradados, às vezes tão anti-humanos, que já não parece possível que alguém se deixe iludir por eles, a não ser que o faça deliberadamente.

 

     Com efeito, quando os "ideais" oferecidos aos homens são: sob o nome de amor, o sexo; sob o nome de liberdade, a libertinagem e o egoísmo; sob o nome do direito de desenvolver plenamente a personalidade, o desprezo pelos critérios e direitos dos outros; sob o nome de independência e de maturidade pessoal, a rejeição de qualquer tipo de autoridade e a conseqüente incapacidade de servir; sob o nome de responsabilidade ou de participação democrática, o protesto estéril e ineficiente; sob o nome de justiça social ou política, a violência e o ódio..., quando é isso o que nos oferecem, sentimo-nos tentados a perguntar: falta alguma coisa para que se declare a completa falência do idealismo humano?

 

     Mas não seremos nós, os cristãos, que declararemos a sua falência. Pelo contrário, estamos dispostos a salvá-lo. Se os jovens (e, de algum modo, todos os homens nos seus corações) se voltarem para os ideais autênticos, o momento não poderá ser mais favorável. Todos os ideais humanos parciais falharam ou foram esvaziados do seu conteúdo. Falta agora mostrar a falsidade ou a hipocrisia dos "ideais" materialistas ou libertinos. Esta é a tarefa que nos compete. E realizá-la-emos facilmente se tivermos mais fé, mais audácia, e um senso mais agudo do ridículo. Então um mundo inteiro de gente jovem e adulta não terá outra alternativa (nem quererá tê-la, segundo penso) a não ser voltar-se para o único ideal verdadeiramente autêntico, o único que não é falso nem insuficiente, o único capaz de atrair todos os homens, de entusiasmá-los e satisfazê-los, de uni-los e purificá-los e elevá-los: o ideal que é Cristo.

 

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[1] Para que a passagem dos anos não destrua a felicidade conjugal, cada um dos cônjuges tem de manter sempre diante dos olhos um aspecto ideal do outro. No entanto, é óbvio que nenhum homem, nenhuma mulher, pode permanecer indefinidamente como a pessoa ideal para o outro. Ele e ela têm inúmeros defeitos, e esses defeitos acabarão inevitavelmente por ser descobertos. Mesmo assim, não se segue necessariamente daí que o amor ideal entre em colapso. Atuará como um elemento moderador, na medida em que ambos deverão compenetrar-se de que somente Deus é perfeito. Mas, apesar de todos os defeitos, marido e mulher devem continuar a ser o ideal um para o outro. O verdadeiro perigo vem da soberba. A soberba tende a cegar-nos para os nossos próprios defeitos, e a tornar-nos demasiado perspicazes em descobrir os defeitos dos outros. Da mesma forma, faz-nos mais conscientes das nossas próprias virtudes e cega-nos para as virtudes dos outros. Se marido e mulher quiserem levar avante o seu amor ideal um pelo outro, e amar-se cada vez mais com o passar do tempo, têm de aprender, com a graça de Deus, a ser humildes. A humildade tornará cada um deles mais consciente dos seus defeitos pessoais do que dos do outro. Ao mesmo tempo, fará com que cada um considere as virtudes e os pontos positivos do outro como maiores e mais importantes do que os que ele próprio possui. Este é o único modo de que cada um permaneça convencido de que vem desfrutando de um amor que não merece. O ideal que haviam procurado realizar no casamento permanecerá intacto.

[2] Journal, III, 214-215.

[3] E as vidas dos santos e das santas? São uma leitura extraordinária, certamente, para os pré-adolescentes, até os onze ou doze anos. Se depois é mais difícil encontrar biografias de santos capazes de suscitar o interesse e o entusiasmo dos adolescentes, a culpa deve ser atribuída não aos santos, mas aos biógrafos. Muitos desses escritores parecem mover-se numa espécie de mundo sobrenatural desencarnado e ser incapazes de destacar as virtudes naturais e os aspectos humanamente emocionantes e atrativos desses heróis. Mas há sinais de que as coisas vêm melhorando nesta matéria.

[4] Cf. Josemaría Escrivá, Caminho, 7 ed., Quadrante, São Paulo, 1989, n. 88.

[5] Exortação Apostólica Marialis cultus, n. 47.

[6] Josemaría Escrivá, Caminho, n. 335.