2. AMOR CONJUGAL E CONTRACEPÇÃO

Há um argumento moderno a favor da contracepção que pretende lançar mão de expressões personalistas, e que pode ser resumido da seguinte forma: o ato matrimonial tem duas funções, uma biológica ou procriadora, e outra espiritual-unitiva. Contudo, este ato só potencialmente é que é procriador; em si mesmo e de fato, é um ato de amor: expressa verdadeiramente o amor conjugal e une entre si marido e mulher. Ora bem, ainda que a contracepção frustre a possibilidade procriadora ou biológica do ato conjugal, respeita integralmente a sua função unitiva e espiritual. Mais ainda, facilita-a, removendo tensões ou receios capazes de prejudicar a expressão física do relacionamento conjugal. Em outras palavras - afirma esse argumento -, a contracepção suspende ou anula o aspecto procriador das relações sexuais no casamento, mas deixa intacto o seu aspecto unitivo.

 

     Até há bem pouco tempo, o argumento tradicional mais importante contra o controle da natalidade era o de que o ato sexual está naturalmente voltado para a procriação, e que é ilícito frustrar esse desígnio porque interfere nas funções naturais do ser humano. Muitas pessoas, porém, não se sentiam totalmente convencidas por este argumento, que parece vulnerável a objeções bastante elementares: afinal de contas, se nós interferimos em outras funções naturais, como, por exemplo, usar tampões nos ouvidos para evitar ruídos ou tapar o nariz para fugir ao mau cheiro, e não há nada de moralmente errado nisso, por que será errado interferir no aspecto procriador do relacionamento conjugal, se há razões suficientes para tomar essa decisão? Seja como for, os defensores da contracepção rejeitam o argumento tradicional por considerá-lo mero "biologismo", que vê no ato conjugal apenas o seu aspecto biológico ou os seus possíveis efeitos biológicos, e ignora a sua função espiritual, que é a de significar e efetuar a união entre os cônjuges.

 

     Os que advogam a contracepção com base nestes termos aparentemente personalistas, pensam estar pisando em solo firme. E se pretendemos responder-lhes e demonstrar a radical fragilidade da sua argumentação, penso que também se deve utilizar um argumento personalista, baseado numa verdadeira compreensão personalista do sexo e do casamento.

 

     O argumento favorável à contracepção apóia-se evidentemente numa tese essencial: os aspectos procriador e unitivo do ato matrimonial são separáveis, isto é, o aspecto procriador pode ser anulado sem viciar de maneira nenhuma o ato conjugal ou enfraquecer o seu modo próprio de expressar o amor e a união conjugal.

 

     É claro que a Igreja rejeita explicitamente essa tese. A principal razão por que a contracepção é inaceitável para uma consciência cristã é "a conexão inseparável estabelecida por Deus entre os dois significados inerentes ao ato conjugal, o unitivo e o procriador", conforme diz o Papa Paulo VI na Humanae vitae.

 

     Paulo VI afirmou esta conexão inseparável, mas não se deteve a esclarecer por que esses dois aspectos do ato conjugal estão tão inseparavelmente ligados, ou por que esta conexão é tão importante que constitui o próprio fundamento da avaliação moral do ato. Talvez uma reflexão serena, amadurecida por um debate que já dura há mais de vinte anos, possa ajudar-nos a descobrir as razões desta realidade: por que a conexão entre os dois aspectos do ato é na verdade tão profunda que a destruição da sua referência procriadora destrói necessariamente a sua significação personalista e unitiva. Em outras palavras, se alguém destrói deliberadamente o poder de dar a vida, próprio do ato conjugal, necessariamente destrói também o seu poder de expressar o amor, o amor e a união próprios do casamento.

 

O ATO CONJUGAL COMO ATO DE UNIÃO

 

     Por que o ato conjugal é visto como o ato de autodoação, como a expressão mais característica do amor marital? Por que este ato tão particular - que, afinal de contas, é passageiro e fugaz - deve ser encarado como um ato de união? Afinal de contas, as pessoas que se amam podem manifestar o seu amor e o desejo de estarem unidas de diversas maneiras: enviando cartas, trocando olhares ou presentes, passeando de mãos dadas... O que singulariza o ato sexual? Por que este ato une os cônjuges de um modo inigualável? O que o torna não só uma experiência física, mas uma experiência de amor?

 

     A resposta estará no prazer especial que o acompanha? O significado unitivo do ato conjugal estará totalmente contido na sensação produzida, por mais intensa que ela seja? Se as relações sexuais unem duas pessoas simplesmente pelo prazer que trazem, então um dos dois cônjuges poderia de vez em quando encontrar uma união muito mais significativa fora do casamento. Daí também se seguiria que uma relação sexual que não desse prazer perderia o seu sentido, e que o sexo com prazer, mesmo numa relação homossexual, teria muito sentido.

 

     Não. O ato conjugal pode ser acompanhado de prazer ou não, mas não é nisso que reside o seu significado. O prazer pode ser intenso, mas é transitório, ao passo que a significação das relações matrimoniais, sendo também intensa, não é transitória, mas permanente.

 

     O que torna o ato conjugal mais significativo do que qualquer outra manifestação de carinho entre os cônjuges? Por que há de ser a expressão mais intensa do amor e da união? Sem dúvida, porque o que acontece no encontro conjugal não é um simples contacto nem uma mera sensação intensa, mas uma comunicação, um oferecimento e uma aceitação, uma troca de algo que representa de modo único o dom de si mesmo e a união entre duas pessoas.

 

     Não esqueçamos, neste ponto, que o desejo que duas pessoas têm de se doarem reciprocamente e de se unirem mantém-se, humanamente falando [1], num plano puramente intencional. Elas podem vincular-se uma à outra, mas não podem realmente dar-se uma à outra. A máxima expressão do desejo de alguém se entregar a si mesmo é entregar a sua semente [2]. Entregar a própria semente, aliás, é muito mais significativo e muito mais real do que dar o coração. "Eu sou seu e dou-lhe o meu coração; tome-o" é mera poesia, a que nenhum gesto físico pode dar verdadeiro corpo. Pelo contrário, "Eu sou seu e dou-lhe a minha semente; tome-a" não é mera poesia, é amor. É amor conjugal encarnado numa ação física privilegiada e singular, por meio da qual se exprime a intimidade - "Eu lhe dou o que não dou a mais ninguém" - e se consuma a união: "Tome o que tenho para lhe dar: a semente de um novo eu. Unida à que você tem para me dar, à sua semente, será um novo eu-e-você, fruto do nosso conhecimento e amor mútuo". Em termos humanos, é o máximo a que se pode chegar na entrega de si mesmo e na aceitação da entrega do outro, de forma a completar a união conjugal.

 

     Portanto, o que torna o ato conjugal uma união e um relacionamento insubstituíveis não é uma sensação compartilhada, mas um poder compartilhado: um poder sexual físico que é extraordinário precisamente por estar orientado intrinsecamente para a criatividade, para a vida. Num autêntico relacionamento conjugal, cada um dos cônjuges diz ao outro: "Eu aceito você na minha vida como a ninguém mais. Você é único para mim, e eu o sou para você. Você, e só você, será o meu marido; você e mais ninguém será a minha mulher. E a prova de que você é insubstituível para mim é o fato de que com você, e só com você, estou disposto a compartilhar este poder que Deus me deu e que está orientado para a vida".

 

     É nisto que consiste o caráter único das relações sexuais. Qualquer outra manifestação física de afeto não ultrapassa o nível de simples gesto e é apenas um símbolo da união desejada. Mas o ato conjugal não é somente um símbolo. No genuíno relacionamento sexual entre os cônjuges, algo real é trocado: há uma entrega e uma aceitação plenas da masculinidade e da feminilidade conjugais. E como testemunho desse relacionamento conjugal e da intimidade da união, a semente do marido é depositada no corpo da esposa [3].

 

     Ora bem, se se anula deliberadamente a orientação para a vida, própria do ato conjugal, destrói-se o seu poder essencial de expressar a união. A contracepção, na realidade, transforma o ato conjugal num auto-engano ou numa mentira: "Eu o amo tanto que só com você estou disposto a compartilhar este poder singularíssimo..." Mas que poder singularíssimo? Num sexo submetido aos anticoncepcionais, já não há nenhum poder singularíssimo a ser compartilhado, exceto o poder de produzir prazer. A sua significação desapareceu.

 

Um relacionamento sexual realizado sob o efeito de anticoncepcionais é um exercício sem sentido. Talvez seja comparável ao ato de cantar sem deixar que nenhum som escape dos lábios. Alguns de nós estaremos lembrados de Jeanette McDonald e Nelson Eddy, dois populares cantores de duetos de amor nos primeiros musicais de Hollywood. Seria absurdo se eles tivessem cantado duetos silenciosos, simulando os movimentos da boca sem deixar as cordas vocais produzirem sons inteligíveis: pura reverberação sem sentido..., mera agitação que nada significa. A contracepção está nessa linha. Os cônjuges voluntariamente estéreis entregam-se a movimentos corporais, mas a sua "linguagem corporal" já não é realmente humana [4]. Impedem os seus corpos de se comunicarem entre si de forma sexuada e inteligível; imitam os movimentos de uma canção de amor, mas aí não há canção.

 

     Com efeito, a contracepção não é apenas uma ação sem sentido; é uma ação que contradiz o sentido essencial do verdadeiro relacionamento conjugal, pois este deveria expressar uma autodoação incondicionada e total [5]. Ao invés de se aceitarem mútua e totalmente, os cônjuges que utilizam anticoncepcionais rejeitam uma parte do outro, uma vez que a fecundidade é parte de cada um deles. Rejeitam uma parte do seu amor mútuo: o poder de dar fruto...

 

     Um casal pode dizer: "Nós não queremos que o nosso amor dê fruto". Se é assim, cairão em contradição ao tentarem exprimir o seu amor através de um ato que, por natureza, implica um amor fecundo. E a contradição será maior ainda se eles, durante a realização do ato, destruírem deliberadamente a sua orientação para a fecundidade, porquanto é justamente dessa orientação que deriva a sua capacidade de manifestar a singularidade do seu amor.

 

     Na união conjugal autêntica, marido e mulher devem experimentar a vibração da vitalidade humana na sua própria fonte [6]. No caso da "união contraceptiva", os cônjuges experimentam uma sensação, mas uma sensação destituída de verdadeira vitalidade.

 

     O efeito antivida da contracepção não se detém neste "não" ao possível fruto do amor. Tende também a extinguir a vida do próprio amor. De acordo com a dura lógica da contracepção, a antivida transforma-se em anti-amor. O seu efeito desvitalizante devasta o amor, ameaçando-o com um envelhecimento rápido e uma morte prematura.

 

     Neste ponto, vale a pena antecipar uma possível crítica: dir-se-á que esta argumentação está baseada numa alternativa incompleta, na medida em que parece sustentar que o ato conjugal ou é procriador ou recai no simples hedonismo... Os cônjuges que concordam com a contracepção não poderiam contra-argumentar com a afirmação sincera de que não procuram no sexo apenas o prazer, mas que também experimentam e expressam o amor que sentem um pelo outro?

 

     Vamos esclarecer o nosso posicionamento neste ponto concreto. Não afirmamos que os cônjuges adeptos do uso de anticoncepcionais não se amem ao realizar o ato, nem que eles não expressem uma certa singularidade no seu relacionamento, na medida em que afastam a possibilidade de terem a mesma intimidade com uma terceira pessoa. A nossa tese é que este relacionamento não manifesta a singularidade conjugal. O amor, de certa forma, pode estar presente no relacionamento, mas o amor conjugal não se manifesta por esse relacionamento, e até pode ver-se rapidamente ameaçado por ele. Esses cônjuges são constantemente perseguidos pela desconfiança de que o ato que compartilham não é, por parte do outro, realmente uma entrega privilegiada de prazer, mas uma aquisição egoísta de prazer. É lógico que uma sensação de falsidade ou de vazio se insinue nas suas carícias, visto que se propõem fundamentar a singularidade do seu relacionamento num ato de prazer que, afinal de contas, tende a recluí-los na esterilidade. Ambos se recusam a apoiar o seu relacionamento na dimensão conjugal da co-criatividade amorosa, a qual, na sua vitalidade, não possibilita a simples abertura de um ao outro, mas a abertura de ambos para a totalidade da vida e da criação.

 

AMOR SEXUAL E CONHECIMENTO SEXUAL

 

     A autodoação mútua e exclusiva do ato conjugal consiste na entrega e na aceitação de algo único. Este algo único, porém, não é a semente (aí, sim, cairíamos no "biologismo"), mas a plenitude da sexualidade de cada cônjuge.

 

     Não é bom para o homem estar sozinho (cf. Gen 2, 18): foi neste contexto que Deus criou a mulher. Deus criou o ser humano numa dualidade - masculino e feminino - capaz por sua vez de transformar-se numa trindade. As diferenças entre os dois sexos falam, portanto, de um plano divino que visa a complementaridade, o auto-aperfeiçoamento e a auto-realização, também através da autoperpetuação.

 

     Não é bom para o homem estar sozinho porque ele não se pode realizar sozinho: necessita dos outros. E necessita especialmente de um outro: de um esposo ou uma esposa. O crescimento e a auto-realização do ser humano estão normalmente condicionados pela união com o esposo ou a esposa, pela entrega mútua, pela união conjugal e sexual na autodoação.

 

     Este amor não é apenas espiritual, mas também corporal, e o conhecimento mútuo em que se fundamenta também não é um mero conhecimento intelectual, mas corporal. O amor conjugal deve basear-se também no conhecimento carnal, o que é plenamente humano e lógico. Que expressividade a da Bíblia quando, ao referir-se ao ato sexual, diz que o homem e a mulher se conheceram! Adão, diz o autor do Gênesis, conheceu Eva, sua esposa. Que comentário podemos fazer a respeito desta equivalência entre intimidade conjugal e conhecimento mútuo estabelecida pela Bíblia?

 

     Em que consiste este conhecimento inconfundível que marido e mulher comunicam entre si? Trata-se do conhecimento da condição humana integral do outro enquanto cônjuge. Cada um deles "desvela", "descobre" um segredo muito íntimo ao outro: o segredo da sua sexualidade pessoal. Cada um é revelado verdadeiramente ao outro como cônjuge, e atinge o conhecimento do outro na singularidade dessa auto-revelação e autodoação matrimonial. Cada um dos dois se deixa conhecer pelo outro, precisamente como marido ou mulher.

 

     Nada é tão capaz de minar um casamento como a resistência em conhecer e acolher plenamente o outro, ou em deixar-se conhecer plenamente por ele. O casamento está continuamente ameaçado pela possibilidade de que um dos cônjuges oculte algo ao outro, retendo para si algum conhecimento que ele ou ela não quer que o outro possua. E isto pode acontecer em todos os níveis da comunicação interpessoal: tanto no nível físico como no espiritual [7].

 

     Em muitos casamentos modernos, há alguma coisa nos cônjuges, e entre eles, que cada um dos dois não quer conhecer nem enfrentar corajosamente, mas evitar: a sexualidade em todas as suas dimensões. Em conseqüência, já que os dois não consentem em ter um pleno conhecimento carnal recíproco, eles realmente não se conhecem, nem sexual, nem humana, nem matrimonialmente. Isto submete o seu amor a uma tensão existencial terrível, que pode vir a destruí-lo.

 

     Numa autêntica intimidade conjugal, cada um dos cônjuges renuncia à posse defensiva de si mesmo para possuir plenamente o outro e ser plenamente possuído pelo outro. Esta plenitude da entrega e da posse sexual genuínas só se consegue num relacionamento matrimonial aberto à vida. Somente numa vida sexual procriadora os cônjuges permutam um verdadeiro "conhecimento" mútuo e se falam realmente de um modo humano e inteligível; só então se revelam mutuamente na plenitude da sua atualidade e potencialidade humanas. Cada um deles oferece e aceita o pleno conhecimento conjugal do outro.

 

     Por meio da "linguagem do corpo", cada um dos cônjuges pronuncia uma palavra de amor que é ao mesmo tempo "auto-expressão" - imagem do próprio "eu" - e expressão do desejo que tem do outro. Estas duas palavras de amor fundem-se numa só ao encontrarem-se. E no momento em que esta nova palavra unificada de amor se faz carne, Deus a transforma numa pessoa, o filho: a encarnação do mútuo conhecimento sexual entre marido e mulher e do amor sexual de um pelo outro.

 

     Na contracepção, os cônjuges não permitem que a palavra que a sua sexualidade deseja pronunciar se torne carne. Estão humanamente impotentes diante do amor, sexualmente calados e corporalmente mudos um perante o outro.

 

     O amor sexual é um amor específico do homem e da mulher considerados na sua totalidade: corpo e espírito. Se o corpo e o espírito não dizem a mesma coisa, o amor é inautêntico. E é isto o que acontece na contracepção. O ato corporal fala da presença ou da intensidade de um amor que o espírito renega. O corpo diz: "Amo você totalmente", ao passo que o espírito diz: "Amo você com reservas". O corpo diz: "Procuro você"; o espírito diz: "Não aceito você, pelo menos não totalmente".

 

     O relacionamento sexual contrário à vida degenera em simples pantomima; desfigura a linguagem do corpo e expressa a rejeição parcial do outro. Cada um dos dois passa a dizer: "Não quero conhecer você como meu esposo ou minha esposa; não estou disposto a reconhecer você como meu cônjuge. Quero algo de você, mas não a sua sexualidade. E se tenho algo para lhe dar, algo que deixarei você receber, certamente não é a minha sexualidade" [8].

 

     Isto permite-nos desenvolver um ponto a que aludimos páginas atrás. A recusa que um casal voluntariamente estéril exprime não se dirige somente aos filhos, ou somente à vida, ou somente ao mundo; dirige-se diretamente ao outro cônjuge. "Prefiro você estéril" é o mesmo que dizer: "Não quero tudo o que você me pode oferecer. Calculei a medida do meu amor, e não é suficientemente grande para isso. É um amor incapaz de aceitar você inteiramente. Quero um você encolhido, reduzido à medida do meu amor..." A circunstância de ambos os cônjuges concordarem com essa "versão reduzida" do outro não lhes protege o amor ou a vida - ou as possibilidades de felicidade - dos efeitos de uma desvalorização sexual e humana tão radical.

 

     Um relacionamento sexual normal afirma plenamente a masculinidade e a feminilidade. O homem afirma-se como homem e marido, e a mulher, por sua vez, afirma-se como mulher e esposa. Num relacionamento sexual fechado à concepção, afirma-se apenas uma sexualidade mutilada. Falando com a máxima propriedade, não há afirmação alguma da sexualidade: a contracepção recusa-se de tal forma a deixar conhecer o "eu" que já não permite nenhum conhecimento carnal autêntico. Existe uma profunda verdade humana implícita no princípio jurídico e teológico de que um ato sexual sob o efeito de anticoncepcionais não consuma o casamento. Em suma: o relacionamento sexual contraceptivo não é um autêntico relacionamento sexual.

 

     Num ato contraceptivo, pode haver algum tipo de "intercâmbio" de sensações, mas não há nenhum conhecimento sexual verdadeiro nem amor sexual verdadeiro; não há uma revelação sexual verdadeira do próprio "eu", nem uma comunicação sexual de uma pessoa para outra, nem uma autodoação. Escolher a contracepção é, na verdade, rejeitar a sexualidade. As deformações do instinto sexual de que a sociedade moderna parece sofrer não são conseqüência de um excesso de sexo, mas da ausência de uma sexualidade humana genuína.

 

     O verdadeiro ato conjugal une os dois cônjuges. A contracepção separa-os, e a separação estende-se a todas as dimensões do casamento. Não separa apenas o sexo da procriação, mas também o sexo do amor. Separa o prazer do seu significado, e o corpo do espírito. A longo prazo, com toda a certeza, separa a esposa do marido e o marido da esposa.

 

     Se os casais habituados a usar anticoncepcionais se detiverem um momento a refletir, não demorarão a compreender que o seu casamento sofre de um profundo mal-estar. Verão que as alienações que experimentam são sinal e conseqüência da grave violação da ordem moral que a contracepção representa. Entenderão assim até que ponto a doutrina da Humanae vitae e das posteriores declarações do magistério da Igreja sobre o tema, longe de ser um apegamento cego a uma posição anacrônica, é uma defesa absolutamente lúcida e clarividente da dignidade inata e do verdadeiro significado da sexualidade matrimonial e humana.

 

SEXUALIDADE PROCRIADORA E AUTO-REALIZAÇÃO

 

     Até aqui, o nosso raciocínio nos fez ver que o ato conjugal contrário à concepção não é capaz de atingir nenhum fim personalista. Ao invés de possibilitar a auto-realização no casamento, o que faz é impedi-la e frustrá-la. No entanto - pode-se perguntar -, só o relacionamento sexual procriador leva à auto-realização dos cônjuges?

 

     A minha resposta é afirmativa, e a razão reside na própria natureza do amor. O amor é criativo. O amor divino, por assim dizer, "obrigou" o próprio Deus a criar. O amor humano, feito à imagem do amor divino, também o leva a criar. Mas se o homem se opõe deliberadamente a criar, frustra-se. A afeição entre duas pessoas leva-as a quererem unir-se para realizarem uma série de coisas juntas. E se isto é verdade no que diz respeito à amizade em geral, assume especial importância e pertinência em relação ao amor entre marido e mulher. Um casal que realmente se ama quer fazer uma série de coisas juntos; se possível, algo "original". Como vimos no capítulo anterior, nada é mais novo e original para um casal do que um filho, imagem e fruto do seu amor e da sua união. É por isso que a realidade matrimonial, o acontecimento por excelência do matrimônio, é ter filhos. Nenhum outro sucedâneo pode satisfazer o amor conjugal.

 

     A vida sexual procriadora realiza, porque somente desse modo os cônjuges se abrem a todas as possibilidades do seu amor mútuo: estão dispostos a enriquecer-se e a realizar-se não apenas com o que vão receber, mas também com o que lhes vai ser pedido. Além disso, a sexualidade procriadora realiza porque exprime o anseio humano de autoperpetuação. Exprime-o sem contradizê-lo, como o faz a contracepção. Enfim: o amor só pode desenvolver-se e ampliar-se com anelos de vida e não com anelos de morte.

 

     Quando nasce um filho num casamento normal, marido e mulher gostam de passar a criança um para os braços do outro. Se a criança morre, já não há alegria, e é entre lágrimas que um passa para o outro o corpo morto. Os cônjuges deveriam chorar e lamentar-se a cada ato realizado sob a ação de anticoncepcionais: é um ato triste e estéril que rechaça a vida vivificadora do amor e que mata a vida que o amor naturalmente deseja criar. Podem sentir satisfação física, prazer, mas não alegria na transmissão de uma semente morta, ou na transmissão de uma semente viva que vai ser morta.

 

     A vitalidade de sensação presente no ato sexual deve corresponder a uma vitalidade de sentido, pois, lembrando o que dissemos antes, o prazer em si mesmo não confere significado. Já a própria explosão de prazer implicada no ato sexual sugere a grandeza da criatividade sexual. Em cada ato conjugal deveria haver algo da magnificência - do alcance e do poder - que transborda da Criação que Michelangelo pintou na Capela Sixtina... Esse dinamismo não deveria limitar-se à simples sensação, mas constituir um evento: algo que vem à tona, uma comunicação de vida.

 

     O ato será destituído de verdadeira consciência sexual se a intensidade do prazer não conseguir provocar uma compreensão plenamente consciente da grandeza da experiência conjugal: "Eu me estou entregando - entregando o meu poder de dar vida - não só a uma pessoa, mas à totalidade da Criação: à história, à humanidade, aos planos e desígnios de Deus". Em cada ato de união conjugal, ensina o Papa João Paulo II, "renova-se de certo modo o mistério da Criação em toda a sua profundidade original e poder vital" [9].

 

     É necessário fazer uma última observação. Toda esta questão que vimos considerando torna-se sem dúvida muitíssimo complexa precisamente por causa da força do instinto sexual. No entanto, devemos compreender que é a própria força desse instinto que exige uma adequada compreensão da sexualidade. O simples bom senso nos diz que o impulso sexual deve corresponder a necessidades ou aspirações profundamente humanas. Tradicionalmente, tem-se explicado o instinto sexual colocando-o dentro de um marco demográfico ou cósmico: tal como o instinto do comer e do beber é necessário para manter a vida dos indivíduos, assim o apetite sexual é necessário para manter a vida da espécie. Esta explicação faz sentido, e resolve algumas dúvidas, mas não vai muito longe. O apetite sexual - a força do apetite sexual - corresponde não apenas a umas necessidades demográficas ou coletivistas, mas também a necessidades pessoais. Se o homem e a mulher sentem um profundo anseio pela união sexual, é porque também cada um deles, pessoalmente, tem um anseio profundo por tudo o que a autêntica sexualidade implica: autodoação, autocomplementaridade, auto-realização, autoperpetuação, na união conjugal com o outro.

 

     A experiência de uma sexualidade matrimonial plena está repleta de um prazer polifacético, em que a simples satisfação física de um mero instinto sensitivo é acompanhada e enriquecida pela satisfação pessoal de anseios muito mais profundos e poderosos, inerentes a uma sexualidade livre da deturpação e da amargura que provêm da frustração desses anseios. Se uma das principais conseqüências da contracepção é a crescente e contínua frustração sexual, a razão está em que a mentalidade contraceptiva priva o poder do apetite sexual do seu sentido e da sua finalidade verdadeiras, tentando encontrar uma experiência sexual e uma satisfação plenas em algo que, ao fim e ao cabo, é pouco mais do que o mero alívio de uma tensão física.

 

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[1] Como é óbvio, não falamos aqui da entrega que uma pessoa pode fazer de si mesma a Deus.

[2] (**) Por semente referimo-nos aqui ao elemento procriador tanto masculino como feminino.

[3] Deste modo, cada ato conjugal reafirma de fato a singularidade da decisão de casar-se com uma determinada pessoa. Cada ato de verdadeiro relacionamento sexual confirma a condição única de se ser marido ou mulher do outro.

[4] A "linguagem corporal" é uma expressão-chave nos escritos do Papa João Paulo II sobre a sexualidade e o casamento.

[5] "A contracepção contradiz a verdade do amor conjugal" (João Paulo II, Alocução, 17 de setembro de 1983).

[6] Isto continua a ser verdade nos casos em que, por qualquer razão, os cônjuges não podem ter filhos. Em tais casos, a sua união, do mesmo modo que a união durante a gravidez, recebe o seu sentido mais profundo do fato de tanto o ato conjugal como a intenção que alimentam estarem "abertos à vida", ainda que o ato não possa dar origem a um novo ser. É esta fundamental abertura à vida que confere ao ato o seu sentido e a sua dignidade. Em contrapartida, a ausência desta abertura arruína gradativamente a dignidade e o sentido do ato sexual, quando, sem motivos graves, os cônjuges se limitam a realizá-lo deliberadamente nos períodos infecundos.

[7] Obviamente, não nos referimos aqui às ocasiões em que um dos cônjuges, por uma questão de justiça em relação a terceiros, esteja submetido à obrigação de guardar um determinado segredo, por exemplo de natureza profissional. O cumprimento de qualquer dever legítimo não representa uma violação dos direitos da intimidade matrimonial.

[8] Se no relacionamento sexual contraceptivo entre os cônjuges não é a sexualidade o que cada um deles oferece e aceita, então o que é que realmente os dois recebem e entregam? No melhor dos casos, uma forma de amor desvinculada da sexualidade. Mas, em geral, é simplesmente prazer, um prazer que - vale a pena repisar - também está desvinculado da sexualidade. Seja como for, os cônjuges adeptos da contracepção sempre renegam a sua própria sexualidade. E o seu casamento sofre as conseqüências.

[9] Audiência Geral, 21 de novembro de 1979.