6. OS PAIS, OS FILHOS E AS LEIS DA VIDA

Washington, D.C., 1956. O comentário vem de uma moça recém-convertida ao catolicismo, que me disse numa mistura de alívio e alegria: "Padre, o senhor simplesmente não faz idéia do que uma pessoa sofre quando não conhece as leis da vida. Agora, por fim, eu as conheço..."

 

     Esta confidência retorna muitas vezes à minha memória quando encontro tantas pessoas, e especialmente tantos jovens, que efetivamente parecem desconhecer as leis da vida. Suponho que no mais profundo dos seus corações sofrem muito, por mais que tentem disfarçá-lo externamente.

 

           As suas vidas parecem não oferecer muitas esperanças de darem certo. Como poderiam? Falta-lhes fé, faltam-lhes ideais, pureza, amor. Falta-lhes, acima de tudo, critério para distinguirem o bem do mal, o certo do errado.

 

     É um panorama que assusta muitos pais, pelo menos aqueles que realmente amam os seus filhos. Esse susto é compreensível. Como também é compreensível que, ao pensarem nos seus próprios filhos (talvez ainda muito jovens), esses pais se perguntem: "Como podemos evitar que isso aconteça aos nossos?"

 

     Como evitá-lo? Dando-lhes formação! Formando a consciência dos filhos, para que tenham critério, para que conheçam as leis da vida e possam distinguir entre o certo e o errado; formando-lhes a vontade, para que sejam capazes de lutar.

 

A CONSCIÊNCIA DAS CRIANÇAS

 

     Uma criança de 4 ou 5 anos de idade já é capaz de compreender que algumas coisas estão certas e outras erradas. Compreende facilmente, por exemplo, que é errado fazer coisas que desagradam às pessoas que ela reconhece como boas. Se os seus pais são bons, sabe que é errado fazer algo de que eles não gostam. É assim que se constroem os alicerces da sua futura vida moral.

 

     O passo seguinte é decisivo e, se os pais são bons, é dado sem grandes dificuldades. É decisivo porque consiste em estabelecer uma conexão entre a incipiente vida moral da criança e o mundo sobrenatural. A criança deve ser ajudada a perceber que deve entrar num relacionamento pessoal com um Deus sempre presente, que quer ser nosso Amigo, e que ter vida moral significa manter viva essa amizade com Deus.

 

     Referimo-nos às crianças cujos pais são bons (isto é, que querem ser bons e lutam por sê-lo, o que é o único modoprático de "ser bom" nesta vida). Se esses pais ensinarem ao filho que Deus é bom - e se o filho vir pelas atitudes dos pais que eles realmente crêem nisso -, então compreenderá imediatamente que está fazendo algo de errado quando faz o que não agrada a Deus. Compreenderá, por fim, que deverá lutar - como os seus pais lutam - por comportar-se bem, por agradar ao bom Deus precisamente porque Deus é bom.

 

     Nunca se ressaltará suficientemente a importância de que as crianças captem esta idéia inicial do que constitui o certo e o errado, o bem e o mal. É preciso que aprendam que uma coisa é boa porque agrada a um Deus bom, ou é errada porque desagrada a esse Deus bom. Que esta é a única base para uma consciência moral saudável e equilibrada salta à vista quando a comparamos com essa outra base usada com excessiva freqüência: "Você vai fazer o que os seus pais lhe dizem porque senão será castigado", ou: "É preciso fazer o que Deus quer, porque senão Ele nos castigará".

 

Base de amor ou de medo?

 

     O contraste entre essas duas bases é enorme, como também o é o contraste entre os dois tipos de consciência e de vida moral que se constroem a partir delas. Num caso, trata-se de uma vida moral baseada no amor, ou seja, de uma vida moral verdadeiramente cristã, tal como nos é proposta em cada página do Evangelho. Mas também se pode basear a vida moral no medo. Este tipo de vida, porém, nunca será autenticamente cristão, pois lhe faltará essa confiança essencial própria da pessoa que se sabe filha de Deus.

 

     Pode ocorrer-nos o pensamento de que esta segunda atitude moral, tão deficiente, parece ser a que prevalece em muitas pessoas. Se é assim, convém ter em conta como é fácil que ela surja, e convém que os pais tomem consciência da enorme delicadeza e responsabilidade da sua missão de educadores da consciência dos seus filhos. O resultado, no fim das contas, depende quase inteiramente de que eles próprios sejam bons ou tentem ser bons; depende da confiança que depositam em Deus, nosso Pai, e de como transmitem essa confiança aos seus filhos no lar, numa atmosfera de amor, e não de repressão ou castigo.

 

     Não quero dizer com isto que as crianças não necessitem de castigo ou nunca devam ser castigadas. Há momentos em que o castigo é necessário. Mas deverá ser conseqüência de uma ponderação deliberada, e nunca de uma explosão de raiva. Além disso, o castigo deverá ser proporcionado à falta cometida. E, se possível (com um pouco de reflexão veremos que sempre é possível), deverá ser um castigo formativo, não um castigo punitivo. Em outras palavras, deverá ser um castigo cujo objetivo principal não seja fazer sofrer o "delinqüente", mas ajudá-lo a compreender que o que fez estava efetivamente errado.

 

As crianças e o pecado

 

     Quando e como deverão as crianças ser formadas no conhecimento do que é o pecado? Já respondemos parcialmente a essa pergunta. Mas antes de aprofundarmos no tema, podem ser úteis mais alguns comentários preliminares.

 

     É bastante estranho que hoje em dia, embora se fale cada vez mais de "consciência", se fale cada vez menos de "pecado". Em princípio, uma maior sensibilidade para a voz da consciência deveria, como decorrência lógica, conduzir a uma maior sensibilidade para a realidade do pecado, isto é, para as ocasiões em que desobedecemos a essa voz. Se, na prática, as coisas não se passam assim, não deveríamos concluir daí que o próprio tema da consciência vem sendo tratado superficialmente?

 

     Hoje, há uma tendência evidente a evitar qualquer referência ao "pecado pessoal". Além disso, acontece que esta tendência parece tornar-se particularmente intensa quando surge o tema das crianças e o pecado. "Cuidado - parece gritar um coro de vozes -, cuidado para não falar de pecado às crianças, porque essa idéia prejudica com muita facilidade o seu desenvolvimento psicológico normal".

 

     O que realmente pode prejudicar o desenvolvimento psicológico normal de uma criança é a ignorância acerca desta matéria. Quando as crianças já têm idade suficiente para compreender que determinada ação ofende a Deus, não devemos deixá-las na ignorância de que essa ação é um pecado, pois há o perigo real de que desenvolvam hábitos de pecar. E quanto mais tempo passe, mais difícil será corrigir esses hábitos nocivos.

 

     Às vezes, tem-se a impressão de que algumas pessoas resistem tanto a tratar do tema do pecado com as crianças porque elas próprias, na infância, foram vítimas desse tipo de educação que vincula o pecado ao castigo e o relacionamento com Deus ao medo. Se é assim, será preferível que não sejam elas a educar as crianças nesta matéria, deixando que outros o façam, porque certamente deformarão a consciência dos filhos, incutindo neles o mesmo princípio fundamental do medo. E uma consciência deformada pelo medo só pode fazer muito mal.

 

     Como já vimos, não é assim que se deve ensinar as crianças a compreender o que é o pecado. Devem compreender, em primeiro lugar, que o pecado não é somente algo merecedor de castigo (o que seria uma visão puramente egocêntrica), mas uma falta de amor, uma ofensa a Alguém que é Bom, uma ingratidão para com Alguém que nos ama infinitamente; que, portanto, nos deve doer, sabendo, por outro lado, que pode ser facilimamente reparado porque o Amor de Deus está sempre pronto para perdoar.

 

     Ensinar nestes termos o que é o pecado é sempre formativo. Por isso, quanto mais cedo comecemos, melhor.

 

Pecado e coisas que estão "erradas"

 

     Tudo o que está errado é também pecado? Não necessariamente. Há algumas (poucas) coisas que podem estar erradas sem que o erro implique uma maldade moral, e que portanto não constituem pecado. Assim são, por exemplo, as faltas de educação. Faltas deste tipo podem ser socialmente más, mas via de regra não são moralmente más. (Poderiam, evidentemente, constituir faltas morais se, ao cometê-las, se faltasse à caridade). Não há dúvida de que as faltas de educação, de "boas maneiras", devem ser corrigidas, na medida em que dificultam a convivência humana. Mas essas faltas normalmente não são pecado, e dizer a uma criança que o são só criará problemas para a adequada formação da sua consciência.

 

     Para evitar criar confusões ou deformações nos filhos, os pais devem exercer um atento controle sobre as suas próprias reações. Quando sentem o impulso de corrigir ou de castigar um filho por ter feito algo que consideram errado, devem sempre ter a prudência de esperar um pouco e de fazer a si mesmos a seguinte pergunta: "Mas isto é realmente uma falta diante de Deus?"

 

     Com toda a certeza, a resposta mais freqüente será "sim", porque Deus não quer que as crianças contem mentiras, nem que dêem rédeas soltas ao seu mau gênio, nem que tratem mal os outros (e aqui se inclui a obrigação de os filhos respeitarem o legítimo - e quantas vezes sacrificado - direito dos pais ao descanso), etc.

 

     Mas, em outras ocasiões, a resposta a essa pergunta será "não". Nesses casos, os pais terão de perceber que o que Deus não quer são pais de nervos descontrolados, ou condescendentes consigo próprios e tiranos com os filhos, implantando em casa as regras de jogo que mais lhes convêm. Os pais têm de estar especialmente vigilantes quanto a um determinado tipo de tentação que parece estar sempre rondando a vida familiar: a tentação de classificar como defeitos dos filhos atitudes que, na realidade, não passam de reações naturais das crianças aos defeitos dos pais. Convém que tenham esta idéia muito clara: se um ato não está errado diante de Deus, por mais que esteja "errado" do ponto de vista dos caprichos ou das preferências pessoais dos pais, então esse ato simplesmente não está errado. Não deve dar origem a reações ou a castigos, e muito menos ser classificado como pecado.

 

O pecado como egoísmo

 

     Há uma outra idéia que as crianças compreendem facilmente e que pode ajudá-las a entender retamente o que é o pecado: a idéia de que é mau ser egoísta. Mesmo entre elas, as crianças reconhecem rapidamente o egocentrismo e compreendem que há qualquer coisa de mesquinho e desprezível nesse "tudo para mim". Esta percepção quase instintiva da sordidez do egoísmo pode ser muito útil para ajudá-las a compreender a malícia do pecado.

 

     O pecado é, em primeiríssimo lugar, uma ofensa a Deus. Esta é a sua essência teológica. Qualquer teoria ou explicação do pecado que passe por alto este traço essencial, apresentando-o unicamente como uma espécie de falha estritamente humana ou social, será absolutamente deformadora.

 

     Ora bem, quando ensinamos às crianças que o pecado ofende um Deus que é bom, deveríamos ensinar-lhes que é uma ofensa precisamente porque é uma expressão do egoísmo. E Deus não quer que sejamos egoístas porque a excessiva preocupação com o nosso "eu" dificulta a nossa salvação, além de tornar impossível qualquer felicidade verdadeira, mesmo nesta vida. Esta é a Vontade de Deus e o objetivo dos seus Mandamentos: ensinar-nos a lutar contra as nossas inclinações egoístas e ajudar-nos a amar.

 

     As crianças também precisam aprender que há muitos modos de ofender a Deus quando se quer "tudo para mim". Existem, com efeito, muitas formas de egoísmo: o egoísmo do orgulho (raiz de todos os outros pecados, e que, portanto, está presente em cada um deles), o egoísmo da mentira, da gula, da avareza, da ira, da inveja, da preguiça, da sensualidade... Numa palavra, o egoísmo dos pecados capitais.

 

As crianças e o pecado mortal

 

     Toda a ação egoísta, no fundo, é um pecado, embora possa ser apenas um pecado venial. Buscar-se a si mesmo sempre significa voltar as costas a Deus, ao menos parcialmente. Na medida em que a experiência nos ensina que as crianças podem ser egoístas, concluímos sem dificuldade que também são capazes de cometer pecados veniais, sendo egoístas em pequenas coisas.

 

     E quanto aos pecados mortais? Pode uma criança de, por exemplo, dez anos de idade cometer um pecado mortal? Penso que sim. Com efeito, penso que a conclusão é inevitável, bastando que nos perguntemos a nós mesmos: as crianças, que são capazes de ser egoístas em pequenas coisas, serão também capazes de grandes egoísmos? São. Penso que uma criança de dez anos consegue ser egoísta num grau muito elevado, e até no mais alto grau, isto é, que pode realizar ações que a façam fechar-se totalmente em si mesma, voltar inteiramente as costas a Deus e aos outros. Ora, é nisso que consiste o pecado mortal.

 

     Sei que mais de um leitor se sentirá chocado e não quererá aceitar esta conclusão. Contudo, se não admitirmos que uma criança de dez anos pode cometer pecados mortais, quando então se tornará capaz de cometê-los? Em que idade começará a ter essa capacidade? Aos catorze? Por que não aos treze? E por que aos treze e não aos doze?

 

     Certamente compreenderemos isto melhor se aprofundarmos mais um pouco no tema. Um pecado mortal é qualquer ação que, polarizando-nos completamente em nós mesmos, rompe necessariamente a nossa amizade com Deus. Ora, no meu modo de ver, uma criança de dez anos tem todas as condições para cometer uma ação desse tipo. Penso, por exemplo, no caso de uma criança que se acusa em confissão de alguns destes pecados: "Escondi de propósito um brinquedo do meu irmão só para ver como ele ficava furioso"; "Odeio Fulano, vou vingar-me dele e não quero perdoá-lo"; "Fiz isto e aquilo de propósito para aborrecer o meu avô"; "Fiquei a semana inteira desejando que a minha mãe tivesse um acidente e se machucasse de verdade..."

 

     Não afirmo que estes pecados sejam necessariamente graves. Mas não me parece impossível, nem muito difícil, que um pecado deste tipo corte a amizade de uma pessoa com Deus, na medida em que pode perfeitamente implicar uma atitude gravemente egocêntrica, que coloca o "eu" no centro da própria vida, em busca de uma auto-satisfação à custa do sofrimento alheio. Semelhante atitude leva facilmente a uma rejeição orgulhosa e auto-suficiente da lealdade e da submissão que a pessoa deve a Deus e aos outros.

 

Pecado, egoísmo e inferno

 

     "Mas - ouço dizer - o senhor está realmente sugerindo que, se uma criança morresse subitamente, tendo cometido um desses pecados, iria para o inferno?"

 

     Talvez resida aqui a verdadeira dificuldade que todos sentimos ao pensarmos no pecado mortal. Se achamos muito duro aceitar que uma criança seja capaz de pecar mortalmente, não será porque consideramos muito duro admitir que nós mesmos somos capazes de pecar mortalmente e, portanto, de merecer o inferno?

 

     Para esclarecermos esta dúvida, a primeira coisa a fazer é lembrarmo-nos de que Deus nos ama, de que Ele quer que todos os homens se salvem (cf. 1 Tim 2,4), e de que está decidido a levar-nos para o Céu. Temos de libertar-nos, portanto, dessas historietas imaginárias acerca de pessoas que passam a vida lutando por comportar-se bem, mas que no final cometem um deslize e, tendo tido a má sorte de não poderem confessar-se antes de morrer, são condenadas ao inferno. Deus, se lhe damos oportunidade, não chama ninguém no pior momento. Quer chamar-nos a todos no melhor momento. Mas é aqui que a nossa liberdade desempenha um papel importante, tanto para o bem como para o mal. Somos capazes de tornar esses momentos melhores cada vez mais raros, e os piores cada vez mais freqüentes... Ora, se agirmos assim, obviamente estaremos reduzindo as possibilidades de que a morte nos surpreenda num momento bom.

 

     Aprofundando um pouco mais, diria que, se é verdade que um único pecado mortal basta para merecer o inferno, o que na prática leva para lá as pessoas são os pecados mortais de que não se arrependeram. Porque, mesmo que alguém tenha cometido inúmeros pecados mortais, será salvo se se arrepender. Além disso - e aqui está o elo de ligação com o nosso tema principal -, é preciso ressaltar que a nossa consciência - bem formada e se lhe prestamos ouvidos - é o nosso aliado mais próximo e mais íntimo quando se trata de buscar o arrependimento, no caso de termos tido a infelicidade de cometer um pecado mortal.

 

     Deus quer chamar-nos num momento bom. E criou-nos de tal maneira que, se o ofendemos seriamente cedendo ao egoísmo em matéria grave, é difícil que não o percebamos, porque a nossa consciência protesta; sentimo-nos tristes e sem paz, até que - como aconteceu com o filho pródigo - nos arrependemos e retornamos ao nosso Pai-Deus. A consciência exerce uma forte pressão (na verdade, é a graça de Deus que nos pressiona através da consciência), e essa pressão não encontra alívio enquanto não reagimos e nos arrependemos. Graças a Deus, normalmente é isto o que fazemos depois que pecamos, e o fazemos com rapidez.

 

     Mas há diversos perigos. Podemos não ter uma consciência bem formada. Podemos ter-nos acostumado a não examiná-la ou a não obedecer-lhe. Podemos ter uma consciência insensível (e é precisamente quando não lhe obedecemos que ela corre o maior perigo de tornar-se dura e insensível). Nestes casos, mesmo que cometamos pecados graves, o nosso arrependimento pode tornar-se menos imediato, os nossos atos de contrição menos freqüentes, o nosso egocentrismo mais profundo e mais contínuo, a nossa frieza perante a amizade de Deus cada vez mais arraigada, o nosso desprezo pelo seu perdão mais e mais radical...

 

     Isto é o que acontece quando a nossa consciência não "funciona" bem. Quando alguém começa a dizer a si mesmo que não há nada de muito errado em determinados atos que são, na realidade, pecados graves; quando essa pessoa faz ouvidos surdos aos protestos da sua consciência; quando, enfim, não obedece aos seus apelos e se nega a arrepender-se, vai deslizando pouco a pouco para o abismo do egocentrismo e da auto-suficiência total. Torna-se incapaz de amar, ou seja, incapaz de entrar no Céu, onde só entram aqueles que sabem amar.

 

Retificação constante

 

     Não é fácil que uma pessoa vá para o inferno por ter cometido um único ato de egoísmo grave. É o estado de egoísmo grave - o estado de egocentrismo obstinado e total, com a rejeição definitiva da misericórdia e da amizade de Deus - o que leva ao inferno. Um único ato de egoísmo grave, um pecado mortal isolado, rompe efetivamente a nossa amizade com Deus. Mas se isso acontecer, temos a nossa consciência para nos reprovar essa conduta com os seus protestos, até que retifiquemos.

 

     Quem sabe retificar com agilidade demonstra ter uma consciência sensível. Ao pecar, separou-se de Deus. Ao arrepender-se e retificar, desfaz essa separação, e isso pode representar até um passo adiante, levando a um grau de amor mais elevado do que o que se possuía antes.

 

     E o que acontece com a pessoa que não retifica imediatamente e vai adiando o arrependimento? Seria um sinal inequívoco de que dá pouco valor à vida da graça, à amizade com Deus. Cada dia de atraso no arrependimento é um passo mais que a pessoa dá em direção ao estado de frieza total, em que a sua consciência se calará definitivamente, e em que praticamente não terá mais forças para converter-se e possibilitar um novo nascimento para a graça.

 

     Este é, com efeito, o único estado que verdadeiramente ameaça a felicidade humana. E a ameaça é mais perigosa justamente porque só se chega a esse estado pouco a pouco e com relativa facilidade, se não se dá ouvidos à própria consciência. E quando se cai nessa situação, é extremamente difícil sair dela.

 

     Não será difícil compreendermos, por conseguinte, que qualquer um de nós pode ir para o inferno. Basta ignorarmos a nossa consciência, recusando-nos a examiná-la, a dar-lhe ouvidos, a obedecer-lhe... Basta igualmente desenvolvermos a aptidão - que também se desenvolve facilmente - de dar desculpas para cada um dos nossos erros. Em suma, basta não enfrentarmos essa difícil e constante tarefa de retificação que é própria da vida cristã. "Devemos enfrentar as nossas próprias misérias pessoais, procurar a purificação [...]. O poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza e incita-nos a lutar, a combater os nossos defeitos, mesmo que saibamos que nunca obteremos uma vitória completa durante o nosso peregrinar terreno. A vida cristã é um constante começar e recomeçar, um renovar-se cada dia" [1].

 

     Parece óbvio que o melhor modo de ir dando importância aos grandes pecados é dar a devida importância (sem exagerar para menos ou para mais) aos pecados pequenos. Para dizer o mesmo com palavras mais claras: o melhor meio de termos a certeza de que nos arrependeremos dos nossos eventuais pecados graves é arrependermo-nos dos nossos pecados leves reais. Penso, portanto - em flagrante contradição com as idéias que se propagam hoje em dia -, que encorajar as crianças a confessar desde cedo os seus pecados (normalmente pequenos) é um modo maravilhosamente eficaz de formar nelas uma consciência moral saudável e equilibrada.

 

FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DOS FILHOS

 

     A formação da consciência, no caso das crianças e dos jovens, é um processo longo e contínuo, que não só deve ser iniciado em casa, como tem de ser levado a cabo fundamentalmente em casa. Os pontos que desenvolvemos a seguir podem orientar os pais nesta tarefa insubstituível.

 

O sentido do dever moral

 

     É importantíssimo assegurar que a criança adquira pouco a pouco um adequado sentido do dever moral, que vá entendendo gradualmente por que deve fazer determinadas coisas e evitar outras... É necessário que tentemos fazê-la compreender que não somos animais, que não crescemos automaticamente, que o nosso destino ainda não está definido, que podemos acabar bem ou mal, que estamos a caminho, que podemos chegar ou não, que podemos salvar-nos ou podemos condenar-nos. É por isso que Deus, por amor, colocou placas de aviso ao longo do nosso caminho. Estamos obrigados a seguir as suas indicações e sinais, caso queiramos atingir o nosso objetivo: o Céu. Mas essa obrigação não é uma obrigação física, e sim moral.

 

     Deus não nos coage fisicamente a fazer o que Ele quer, a seguir o caminho que Ele nos indicou. Respeita a nossa liberdade, e deixa-nos entregues às alternativas e às conseqüências da nossa liberdade. Está nas nossas mãos seguir as suas indicações (por confiarmos nEle, por acreditarmos que são indicações dadas pela Verdade e pelo Amor) ou não segui-las (porque o nosso comodismo reluta em fazer o esforço necessário, ou porque o nosso orgulho não é capaz de descobrir a Verdade e o Amor que estão por trás delas). O que não está nas nossas mãos é evitar as conseqüências, se decidimos não seguir as suas indicações, porque isso é não só moral, mas fisicamente impossível.

 

     Se não seguimos as indicações de Deus, além de ofendê-lo (pois estamos rejeitando a expressão do seu Amor), não chegaremos ao fim. É o mesmo que acontece com alguém que tome a estrada com o propósito de chegar a Nova York; é livre de seguir ou não as indicações das placas de sinalização, mas, se não as seguir, não chegará a Nova York.

 

     A liberdade e a responsabilidade são os dois pilares da moralidade. Mais do que isso, estão de tal modo relacionadas que não se pode falar de uma sem mencionar a outra [2]. Hoje em dia, os jovens começam desde cedo, pelo menos a partir dos doze ou treze anos, a sofrer pressões crescentes para entenderem a liberdade como o direito de fazer o que quiserem, sem terem de pensar nas conseqüências ou sem terem de assumi-las. Devemos ajudá-los a entender que a liberdade assim concebida não é liberdade; é irresponsabilidade. Ou, se quisermos, é uma liberdade irresponsável - o que não significa que não se continue a ter de responder pelos atos livres que se praticam.

 

     É preciso, pois, que os filhos compreendam que a responsabilidade sempre acompanha a liberdade. Trata-se de uma verdade que até poderemos esquecer, mas da qual não poderemos fugir. Mais cedo ou mais tarde, seremos alcançados por ela. No final, todos teremos de responder pelas nossas ações livres, e talvez especialmente pelas ações livres realizadas de modo irresponsável.

 

     O problema é que todos nós, jovens e adultos, estamos mergulhados num imenso nevoeiro de confusões acerca do tema da liberdade. Foge do nosso propósito imediato considerar o que ou quem causou esse nevoeiro; mas a minha experiência de vida mostrou-me que as pessoas conseguem atravessar essas névoas com mais facilidade se se lembram de um princípio elementar e bastante óbvio: se é verdade que somos livres para fazer isto ou aquilo, não somos livres para evitar as inevitáveis conseqüências do que realmente fizemos e escolhemos... Sou livre para pular pela janela do décimo segundo andar, mas não sou livre para evitar as conseqüências, como ter a cabeça esmagada ao bater contra a calçada. Sou livre para tomar cocaína ou outro tóxico qualquer, mas depois não sou livre para evitar a conseqüência de me tornar escravo das drogas.

 

Explicações positivas

 

     Quando se trata de explicar obrigações ou proibições concretas às crianças, os pais devem sempre fazer o esforço de deixar claras as razões positivas que estão por trás delas, em função de objetivos positivos.

 

     "Não faça isso porque é errado": isto não é nenhuma "explicação" formativa, e tende antes a deformar. Dá a falsa impressão de que a moralidade é restritiva e negativa, exatamente o contrário da moral cristã que os filhos deveriam estar aprendendo.

 

     "Por que temos de ir à missa?" Não só para cumprir o terceiro mandamento da Lei de Deus (os mandamentos não são um fim em si mesmos), mas para adorarmos a Deus; para participarmos juntos do Sacrifício de Jesus Cristo. Devemos enfatizar sempre a finalidade dos mandamentos.

 

     "Por que rezar?" Não só porque é obrigatório, nem mesmo "porque todo o bom cristão reza", mas para aprendermos a conversar com Deus, para estabelecermos um diálogo com Ele.

 

     "Por que não podemos contar mentiras?" Porque é utilizar mal a capacidade que Deus nos deu de nos comunicarmos com os outros; toda a mentira levanta um muro que nos separa de Deus e dos outros.

 

     O mundo de hoje, confuso e à deriva, oferece inúmeras oportunidades de esclarecermos os critérios morais. Os pais não deveriam deixar de aproveitar todas essas oportunidades - que os jornais, as revistas e a televisão oferecem constantemente -, e devem estar atentos também às ocasiões de fazê-lo nas conversas familiares.

 

     Com o tempo - talvez não muito depois dos dez anos -, chegará o dia em que se levantará a inevitável questão: "Por que não posso assistir a esse filme ou ler este livro?" A pergunta será feita com seriedade, e deve ser respondida seriamente: "Porque pode fazer-lhe mal". E a seguir é preciso explicar que tipo de mal é esse: "Porque pode tirar-lhe a liberdade de amar, porque a pureza é uma condição do amor, porque pode escravizar você ao seu corpo..."

 

     A tarefa de formar a consciência dos jovens quanto ao tema da pureza é uma responsabilidade específica dos pais. É só a eles que cabe esclarecer os filhos acerca da origem da vida, sempre "de um modo gradual, amoldando-se à sua mentalidade e à sua capacidade de compreender, antecipando-se um pouco à sua natural curiosidade. É necessário evitar que os filhos rodeiem de malícia esta matéria, que aprendam uma coisa que em si é nobre e santa através de uma má confidência de um amigo ou de uma amiga. Aliás, isto costuma ser um passo importante para firmar a amizade entre pais e filhos, impedindo uma separação exatamente no despertar da vida moral" [3].

 

     Trata-se de uma tarefa em que é preciso avançar etapa por etapa. O ponto de partida - que é ao mesmo tempo o ponto básico que sempre se deve sublinhar - reside em que as diferenças entre os sexos, bem como a atração e a união sexuais, são parte da obra divina. São o caminho escolhido por Deus para suscitar novas vidas, dentro do casamento, associando o homem à tarefa da Criação. O sexo tem, portanto, qualquer coisa de sagrado, uma vez que está associado aos planos de Deus para a humanidade, e as coisas sagradas devem ser orientadas de maneira especial para a finalidade que Deus lhes deu. E se isso nem sempre é fácil - porque as nossas paixões, boas em si, estão desordenadas -, então simplesmente precisamos aprender a controlar-nos e a lutar por dirigir a sexualidade para o seu fim.

 

     Com explicações deste tipo, as crianças aprenderão a estimar a virtude da castidade e, quando chegar o momento em que comece a custar-lhes, ser-lhes-á muito mais fácil lutar de modo positivo, buscando a ajuda da graça a fim de robustecerem os seus esforços humanos.

 

     É essencial iniciar a educação sexual na hora certa, sem perder de vista dois princípios fundamentais:

 

a) é preciso incutir a idéia de reverência ao tratar deste tema;

 

b) a atitude de reverência deve ser incutida antes de que o tema comece a ser ocasião de tentação. Depois, pode ser tarde demais.

 

Nem toda a restrição limita a nossa liberdade

 

     É preciso ter em conta que a primeira reação dos jovens (e, o que é mais surpreendente, de muitos que não são tão jovens...), ao depararem com uma restrição, pode ser a de verem nela uma limitação da sua liberdade. Teremos de explicar-lhes, repetidas vezes, que nem sempre é assim. Não é difícil conseguir que entendam que toda a energia tem de ser controlada, caso se queira aproveitá-la para uma finalidade útil: as energias de um rio têm de ser represadas; a energia do vapor tem de acumular-se no interior de uma caldeira; a gasolina tem de ser comprimida para poder explodir no interior dos cilindros do motor. Do mesmo modo, as energias humanas têm de ser domadas; e se nos vemos obrigados a aplicar-lhes uma série de restrições, é somente para que mais tarde, ao longo da nossa vida, possamos utilizá-las com maior proveito e liberdade.

 

     Um dos exemplos mais simples e mais claros para ilustrar este ponto é o da estrada. Uma estrada é uma restrição; é uma área restrita. O trecho pavimentado tem uma largura limitada, tem as suas curvas e as suas encostas... São restrições que, no entanto, não limitam, pelo menos se se compreende qual é a utilidade da estrada: conduzir a um lugar determinado. E é para isso, igualmente, que serve a vida.

 

     Duvidaríamos razoavelmente do Q.I. de um motorista que começasse a dirigir com a idéia fixa de que ninguém tem o direito de lhe dizer como e por onde deve fazê-lo. "Veja esta curva que me puseram na frente. Não estou disposto a tolerá-la"... Se, ao invés de fazer a curva, continuasse em frente, essa aparente afirmação da sua liberdade acabaria por deixá-lo no fundo de algum barranco ou estatelado contra uma árvore.

 

     Uma rodovia torna o exemplo ainda mais claro. Os pontos de acesso e de saída são limitados, e há limites de velocidade máxima e, às vezes, também de velocidade mínima. No entanto, ninguém encara as limitações de uma rodovia como restrições à sua liberdade, mas como fatores que favorecem o uso mais efetivo dessa liberdade.

 

Treinar a vontade

 

     É preciso ajudar as crianças a compreender que, se não tiverem força de vontade, nada de bom farão nesta vida. Um atleta exercita e treina os seus músculos para estar em forma na hora da corrida. Se não os treinasse, o seu corpo o trairia. Analogamente, temos de treinar a nossa vontade - exercitando os seus "músculos" por meio de pequenos sacrifícios e esforços -, a fim de estarmos em forma na corrida da vida. Um rapaz ou uma moça que atinjam a maturidade, pelo menos em número de anos, sem uma vontade forte, não são maduros. Não estão prontos para a vida. Poderiam ser comparados a um barco sem leme ou a um automóvel sem volante.

 

     O lado prático da formação moral visa simplesmente que cada um seja dono da sua própria vida. É nisto que consiste sobretudo a luta moral: em dirigir a vida. E é somente à base de vitórias - a despeito de algumas derrotas - que se consegue assumir o comando da própria existência. E assumir o comando significa que, com a ajuda da graça de Deus, se pode levar a vida para onde se quer, e não permanecer à deriva, à mercê de mil outras coisas - do ambiente, das modas, dos amigos, das paixões, da preguiça - que não são o núcleo da personalidade.

 

Derrotas

 

     Não basta explicar insistentemente aos filhos pequenos que esta vida é luta. Devem também aprender a não surpreender-se quando a luta se torna dura, e a não desistir se, de vez em quando, sofrem alguma derrota. Enfrentarão bem as suas derrotas se lhes ensinarmos, não menos insistentemente, que Deus nos compreende, que nos ama mesmo com as nossas fraquezas, que deseja ajudar-nos e que, portanto, temos de confiar ilimitadamente nEle.

 

     É preciso ensinar-lhes a pedir perdão a Deus muitas vezes ao longo do dia (uma prática que, longe de ser um peso, é uma lembrança constante de que a vida vivida na presença de Deus é uma vida vivida na presença do Amor; e de que pedir perdão é a reação de uma pessoa que ama. Quem deixa de pedir perdão também deixou de amar). Devem aprender a fazer o seu exame de consciência, muito breve e muito simples, todas as noites. E, repito, um dos melhores meios para termos a certeza de que a sua consciência está sendo adequadamente formada, sem sobrecarregar-se com escrúpulos ou deslizar para a preguiça, é encorajá-las a adquirir o costume de confessar-se freqüentemente. E isso desde cedo, isto é, por volta dos seis ou sete anos, quando já são capazes de entender o que é ofensa e o que é perdão.

 

Sensibilidade à graça

 

     Os filhos têm de adquirir uma aguda consciência não somente de que a vida é luta, mas de que não estamos sozinhos nela. É importante, pois, que ganhem sensibilidade para a graça: para a graça santificante, que nos torna filhos de Deus, e para a graça atual, essa ajuda de Deus que ilumina a nossa inteligência e fortalece a nossa vontade, a fim de que continuemos a lutar e aprendamos a vencer.

 

     Se o pai e a mãe se confessam e comungam freqüentemente, se rezam e visitam o Santíssimo Sacramento, os filhos compreenderão que contam com a ajuda da graça divina na sua luta, e aprenderão a fazer o mesmo.

 

Dar-lhes exemplo

 

     Se os pais querem que os seus filhos não somente tenham uma consciência bem formada, mas também que a sigam, não basta que lhes proporcionem idéias claras: têm de proporcionar-lhes também exemplos claros. Se os filhos nunca vêem os pais lutando por ser melhores - com altos e baixos, mas com determinação e teimosia -, nunca serão bem educados. Se não vêem o pai ou a mãe lutando por não enervar-se - e pedindo desculpas quando falham -, estarão recebendo muito poucos exemplos.

 

     Boa parte do exemplo reside na prontidão com que os pais sabem impor restrições à sua própria conduta. As crianças devem ver que os seus pais também estão dispostos a negar a si próprios algumas coisas, por mais que se sintam atraídos por elas, que os seus pais sabem dizer "não" - também a si mesmos -, ainda que seja duro. Se uma mãe, por exemplo, quer formar as suas filhas numa atitude fortemente independente em relação às modas, ela própria deve ter essa atitude. Não é raro ouvir mães censurarem o modo como as moças de hoje se deixam levar pela moda ou pelo ambiente. Mas essas mães já se perguntaram quantas vezes elas próprias resistiram ao ambiente e aos "imperativos" da moda?

 

     O mesmo acontece com os pais (ou será que a moda não influi também neles?). Se o que leva um homem a comprar um automóvel maior e mais potente não é uma verdadeira necessidade profissional ou familiar, mas simplesmente o fato de que um colega seu comprou um modelo parecido..., serão os seus argumentos muito convincentes, quando tentar persuadir o filho de que uma motocicleta não é uma "necessidade" para um rapaz de dezesseis anos?

 

     Os pais que querem ter filhos com uma consciência sensível e uma vontade forte devem empenhar-se constantemente em adquirirem eles mesmos essas qualidades.

 

Descontaminação moral

 

     Chegou o momento de examinarmos com mais detalhe o tema dos filmes, dos livros, etc.

 

     Se a população tem o direito de esperar que as autoridades competentes tomem medidas para impedir que as ruas fiquem cheias de lixo, têm também igual direito - e as autoridades públicas têm o correspondente dever - de que a "sujeira moral" não se espalhe pelas ruas e praças públicas.

 

     Como seria tristemente irônico que a opinião pública, despertando agora para a realidade e para os perigos da contaminação ambiental, permanecesse adormecida diante da realidade infinitamente mais prejudicial da contaminação moral da nossa atmosfera social.

 

     Se determinados indivíduos querem envenenar-se em privado, o problema é deles. O que não têm o direito de reivindicar, em nome da liberdade, é que se vendam venenos a preços baixos - ou antes, a preços altíssimos - em todas as esquinas da cidade; especialmente quando o veneno em questão tem um atrativo particular que o torna ainda mais perigoso.

 

     Em muitos países, as autoridades públicas não dão passo algum para verificar a poluição moral das cidades e do campo. De tempos a tempos, tentam justificar a sua inatividade com o argumento de que, "afinal de contas, não se possui nenhuma comprovação realmente científica dos efeitos prejudiciais da pornografia, etc.". Ora bem, para conhecer os efeitos prejudiciais da pornografia, não é preciso esperar pelas descobertas da ciência; basta usar o senso comum! Temo que essa atitude leve as pessoas a duvidarem da competência das autoridades, pois o senso comum é sem dúvida a primeira condição de um governante.

 

     Por outro lado, bem pode ser que a passividade governamental diante da contaminação moral seja devida não tanto à falta de senso comum, mas ao medo de provocar brados escandalizados de "puritanismo!", "censura!", etc., sempre tão eficientemente orquestrados pelos grupos de pressão compostos por cidadãos "liberados". Se é o medo que paralisa as autoridades públicas, não é exatamente senso comum o que lhes falta, mas algo muito mais importante: coragem - a coragem de governar -, e uma autêntica preocupação pelo bem do seu povo.

 

     Para sermos totalmente justos, devemos dizer que as autoridades reagiriam como devem se percebessem que a opinião pública é favorável às medidas de descontaminação moral, à manutenção de determinadas condições claras de higiene e de limpeza moral na esfera pública. Ora, a opinião pública é constituída principalmente pelos pais, e muitos pais parecem estar adormecidos. Ou, talvez - como as autoridades que acabamos de mencionar -, não possuam senso comum nem coragem.

 

     Para aqueles que não caíram no sono, mas podem estar em perigo de adormecer, vão aqui algumas considerações que podem ajudá-los a despertar [4].

 

Auto-censura

 

     Os filmes, a televisão e a leitura exercem hoje em dia uma enorme influência, especialmente sobre os jovens, ainda que também sobre os não tão jovens. Além disso, é uma triste verdade que são pouquíssimos os filmes e romances modernos que não influem negativamente sobre o público - principalmente se tivermos em conta que os danos não são causados apenas por cenas ou passagens pornográficas, mas por todo o conceito de vida subjacente a essas obras. Exalta-se o materialismo, apresenta-se a busca do prazer como a verdadeira regra de vida, fala-se da violência como de um meio válido na luta por certas causas, do divórcio como sinal de progresso civilizado. O adultério, o "amor livre", o homossexualismo, e sabe-se mais o quê, são apresentados como algo perfeitamente normal e natural.

 

     As qualificações de filmes freqüentemente já não servem de critério. Um filme "para adultos" - isto é, próprio para espectadores "maduros" - geralmente é impróprio para qualquer pessoa que não queira ofender a Deus. Uma pessoa é madura, nestas matérias, quando tem a sinceridade necessária para avaliar o que é degradante e pesado.

 

     A censura imposta de cima pode alcançar alguns resultados. Pode levar, dentro de casa ou na rua, a um ambiente limpo que favoreça o desenvolvimento normal da vida afetiva e das paixões das pessoas, e que evite as anomalias doentias produzidas pela obsessão. No entanto, este efeito positivo será limitado se não se conseguir um segundo resultado: levar os jovens a compreender que, neste campo, cada qual tem de ser o seu próprio "censor". Limpos, felizes e livres (livres também para amar), é assim que queremos ver os nossos filhos crescerem neste mundo. Mas não crescerão assim se não compreenderem o princípio da auto-censura, que é o único tipo realmente efetivo de censura que existe, e se não o viverem na prática.

 

     A auto-censura envolve uma combinação de idéias claras e de vontade forte. Significa ter uma compreensão clara dos danos que se podem sofrer sob os efeitos obsessivos de determinados espetáculos e livros, ou de certos modos de comportamento. Significa também ter força de vontade suficiente para dizer "não" às escravidões fáceis, e para travar esse difícil mas alegre combate no qual defendemos a nossa liberdade, a nossa capacidade de amar e a nossa alma.

 

Pais permissivos (com os filhos)

 

     Neste tema, como em todos os aspectos da educação moral, é sempre mais sábio procurar oferecer argumentos positivos. No entanto, como dissemos antes, às vezes não é fácil fazer os filhos compreenderem que uma restrição ou uma proibição pode ser positiva; pelo contrário, é fácil que protestem ou se mostrem ressentidos. Diante das pressões criadas pelo permissivismo, muitos pais acabarão por ceder... Cederão, pensando talvez: "Se eu não ceder, os meus filhos não me obedecerão. Diga eu o que disser, farão o que quiserem". Bem, eu diria a esses pais que eles têm a grave obrigação de orientar os seus filhos de maneira firme e clara nestes temas, mesmo que desconfiem ou tenham a certeza de que não serão ouvidos.

 

     Os tempos atuais são tempos difíceis, pelo menos para as almas. Vejamos o caso de um filho ou de uma filha de pais permissivos (isto é, de pais fracos). Os rapazes ou as moças lêem o que querem, assistem ao que querem, vão aonde desejam, fazem o que bem entendem. Os seus pais preocupam-se, e fazem bem. Trocam idéias entre si, mas não se atrevem a dizer nada ao rapaz ou à moça.

 

     Qual será o provável resultado dessa atitude daqui a dez ou vinte anos? Uma vida arruinada: perda da fé, o casamento despedaçado, solidão total. "Mas... os meus pais deviam saber que eu estava indo por esse caminho... Então por que não tentaram deter-me a qualquer custo?" E à desolação de uma vida arruinada acrescentar-se-á o sentimento amargo de se ter sido traído pelos próprios pais, pela sua falta de coragem e de amor.

 

     Tomemos o mesmo caso, mas supondo agora que os pais bateram o pé, amorosa mas firmemente. Pode ser que o rapaz ou a moça não lhes tenham dado ouvidos, e tenham acabado na mesma previsível situação. Há, porém, uma diferença. No meio da mesma desolação, poderá muito bem ocorrer-lhes este pensamento: "Meus pais sabiam que eu acabaria assim, e tentaram deter-me de todos os modos. Eu não lhes dei atenção, mas... eles me amavam! Meu pai e minha mãe me amavam!" Esta convicção é capaz de afastar uma pessoa do desespero final. "Meus pais me amavam!" Parece-nos um consolo insignificante no meio de uma vida arruinada? Pode ser suficiente para salvar uma alma.

 

Pais moles (consigo próprios)

 

     Seja como for, a experiência de muitos anos ensinou-me que, se os filhos às vezes não obedecem aos pais nestas matérias, o motivo mais freqüente é que os pais são muito moles, não tanto com os filhos, mas consigo próprios. Não estão suficientemente dispostos a exigir de si mesmos ou a negar algo a si mesmos. São demasiado egoístas.

 

     Sejamos sinceros. O argumento mais convincente (e às vezes o único eficaz) que os pais podem e devem dar aos filhos, ao proibi-los de assistir a um determinado filme ou de ler um determinado livro, é que eles mesmos - os pais - não vão assistir a esse filme ou ler essa obra. Se os pais não estiverem dispostos a impor uma censura a si próprios sempre que seja necessário, então os seus esforços por impô-la aos filhos serão necessariamente deformantes.

 

     Detenhamo-nos num caso particular antes de prosseguirmos. Pode haver filmes tão delicados ou complexos que exijam um grau de experiência e de critério maior do que a média para poderem ser "digeridos". Em tais casos, alguns pais podem sentir com razão que os filhos ainda não possuem esse critério ou experiência, mas que eles próprios os possuem. (Outros, contudo, perceberão que esses filmes, especialmente se forem televisionados, oferecem uma boa oportunidade para terem uma sessão comentada com os filhos. O efeito, neste caso, poderá ser que os pais se divirtam menos, mas o critério dos filhos terá sido mais bem formado e terá amadurecido).

 

     Esses filmes, na verdade, não oferecem grandes problemas, e não me refiro a eles. Penso nos milhares de filmes e obras - nos palcos, nas salas de cinema e na imprensa - de que nos encontramos rodeados, e que estão cada vez mais e mais saturados de uma pornografia espalhafatosa. É em relação a estas obras que os pais têm de enfrentar a necessidade da "auto-censura".

 

     Deixemo-nos de rodeios. Pornografia é toda a representação degradante dessa realidade sagrada e desse dom divino que é o sexo. A pessoa que aceita a pornografia nas leituras ou nos espetáculos a que assiste ofende a Deus gravemente, degrada-se a si mesma e dá um exemplo degradante aos outros. É o caso da pessoa que não é suficientemente madura para saber auto-censurar-se diante do imprevisível e do previsível. Maturidade significa evitar leituras ou espetáculos em que razoavelmente se possa prever um conteúdo pornográfico. E quando não se pode prevê-lo, significa pôr o livro de parte logo que se depare com passagens pornográficas ou levantar-se e retirar-se de um espetáculo que frustra as expectativas e acaba por revelar-se degradante.

 

Duplicidade nos padrões morais

 

     Se os pais se agarram a determinadas "liberdades" nestas matérias, e ao mesmo tempo as negam aos seus filhos, é bastante lógico que estes passem a reivindicá-las e decidam conquistá-las em rebelião aberta ou clandestinamente.

 

     A conclusão é inevitável. Há somente um modo de os jovens captarem o sentido da verdadeira liberdade, e aprenderem a vivê-la e defendê-la: por meio do exemplo que vêem nos adultos - sobretudo e antes de mais nada nos seus próprios pais.

 

     Os pais que não estão dispostos a viver a auto-censura nesta matéria são culpados de lançar mão de um código moral de duas caras. Têm dois padrões de moralidade: um para si próprios e outro para os seus filhos. Merecem assim - aos olhos dos filhos - a acusação de hipocrisia que os jovens de hoje lançam com tanta freqüência contra os mais velhos. E garantem praticamente que os seus filhos nunca os respeitarão nem lhes obedecerão.

 

     As coisas são como são, e algumas verdades não são menos verdadeiras por serem amargas. Os pais não podem esperar que os seus filhos sigam pelo caminho certo, se eles insistem em viajar pelo caminho errado. Não podem esperar que os seus filhos sejam honestos, se eles estão profundamente mergulhados na prática da falsidade e especialmente do auto-engano. Não podem esperar que os seus filhos sejam fortes, se eles são fracos, especialmente se a sua fraqueza é desse tipo especial que se vem tornando tão comum nas nossas sociedades contemporâneas: não apenas a fraqueza natural de se sentirem atraídos pela impureza (que é uma fraqueza que todos nós podemos sentir, embora todos tenhamos o poder de resistir-lhe), mas essa fraqueza moral e mental anormal de negar que a impureza significa degradação e corrupção. Acrescentemos, portanto, que não é nada evidente que o jovem moderno se engane nas suas acusações, pois a atitude de um setor relativamente grande do mundo "adulto" contemporâneo não merece efetivamente outro nome que o de hipocrisia. Somente um hipócrita invoca um duplo padrão de moralidade: um permissivo para si mesmo, e outro mais severo para os filhos. Somente um hipócrita se apresenta como incorruptível, pois nega a necessidade de lutar contra os seus próprios egoísmos. Somente um hipócrita diz que ama os seus filhos enquanto, com o seu exemplo, os destrói.

 

     O mundo adolescente contemporâneo - que também se comporta como se fosse "incorruptível", como se não houvesse pecado, nem egoísmo, nem uma consciência que protesta, nem a necessidade de arrepender-se e de confessar-se -, também esse mundo adolescente não está livre da hipocrisia. O jovem deveria compreender que, no seu caso, também não há outro nome para essas atitudes, e que não lhe serve de desculpa para a sua hipocrisia ter aprendido a ser hipócrita com os mais velhos.

 

A sinceridade dos pais

 

     Se os pais não são sinceros, também os filhos não o serão. E se não há sinceridade, é uma perda de tempo falar em força moral. A sinceridade é um fator essencial na adequada formação da consciência (e também uma garantia da sua constante saúde). A sinceridade é muito importante porque implica reconhecer a verdade, andar na verdade (cf. 2 Jo 4), ainda que às vezes a verdade não seja o que a pessoa gostaria que fosse. Quem reconhece não ter agido como desejava, pode muito bem, com a graça de Deus, acabar atingindo o seu desejo. Somente o viajante que admite estar na estrada errada tem alguma chance de retornar ao caminho certo.

 

     As perspectivas são negras quando os pais não levam os filhos a ser sinceros com eles e a contar o que quer que tenham feito de errado. As perspectivas são negras se os filhos mentem aos pais. Mas se isto acontece, que podem os pais fazer para remediar a situação? Devem começar por ser sinceros com os filhos, isto é, nunca mentir-lhes.

 

     Às vezes, é necessário aborrecer-se com os filhos. Mas deveria ser um aborrecimento sem raiva. Os pais têm obrigação (por justiça e por caridade) de corrigir os filhos, mas sem ir demasiado longe. Aborrecer-se exageradamente é aborrecer-se injustamente. Ora, se um pai ou uma mãe se irritam injustamente, e não o reconhecem pedindo desculpas, não apenas estão sendo injustos, mas também insinceros. Ele ou ela percebem que erraram, mas não querem reconhecê-lo. E isto assemelha-se muito à mentira.

 

     As crianças conhecem muito bem os seus pais. Sabem quais são as virtudes e os defeitos de ambos. Este conhecimento profundo é lógico e inevitável, pois é simples conseqüência de se partilhar da mesma casa durante tantos anos. Portanto, qualquer tentativa do pai ou da mãe de ocultar os seus defeitos diante dos filhos está fadada ao fracasso. Imaginemos o caso de uma criança de cinco anos cujo pai seja mal-humorado e não lute contra o seu temperamento, e que, além disso, não seja suficientemente sincero para admitir que tem esse defeito. Talvez o filho não saiba que o mau humor é um defeito, sobretudo se - como acontece freqüentemente - ninguém em casa se atreve a dizer que é um defeito. Tudo o que a criança sabe é que se trata de uma característica do pai, cujos efeitos desagradáveis por vezes a atingem na forma de berros e de tapas.

 

     O mau humor, porém, gera mau humor, e o resultado mais provável será que a própria criança cresça com um gênio péssimo, sem saber como controlá-lo (ou talvez até sem saber que pode ser controlado), já que ninguém lhe ensinou que medidas tomar. Quando essa mesma criança atingir a idade de quinze anos, quase certamente saberá que o mau humor é um defeito, embora - a exemplo do seu pai - talvez não queira admitir que o é no seu caso (sempre há desculpas!). Em última análise, a criança não somente terá adquirido o mesmo defeito do seu pai, mas também, muito provavelmente, não respeitará nem amará o seu pai.

 

Os defeitos dos pais como fator formativo

 

     No exemplo descrito, há um aspecto que não devemos passar por alto. O motivo fundamental da deformação do filho (e, como conseqüência, da falta de amor pelo pai) não é o defeito do pai, mas a falta de luta do pai contra esse defeito, e sobretudo a sua insinceridade em relação ao fato inegável de se tratar de um defeito.

 

     O que é causa de deformação e, portanto, de escândalo, para um rapaz ou uma moça, não é ter pais com defeitos (o que é inevitável), mas ter pais hipócritas e insinceros: pais que invariavelmente tentam justificar ou camuflar os seus defeitos sob uma capa de mentiras, de tiradas raivosas ou de abusos de autoridade - porque, no fundo, não estão dispostos a lutar contra si mesmos.

 

     Os defeitos dos pais não devem ser motivo de escândalo para os filhos, nem mesmo motivo para os respeitarem ou amarem menos. Nada disto acontecerá se os jovens virem que os seus pais estão conscientes desses defeitos, que os admitem e estão tentando lutar contra eles. Então os defeitos dos pais - a sua luta sincera contra os seus defeitos - tornar-se-ão um exemplo e um estímulo maravilhosos para os filhos, que quererão fazer o mesmo nas suas próprias vidas. Curiosamente, as crianças tendem a ter uma compreensão muito maior para com os seus pais quando os vêem lutar contra os seus defeitos. Portanto, a última conclusão deste capítulo bem poderia ser esta: o modo como os pais encaram e lidam com os seus próprios defeitos é talvez, em termos humanos, o fator que mais influi na formação moral dos filhos, no crescimento correto da sua consciência e no desenvolvimento do seu caráter.

 

     Os pais não precisam ser gênios ou grandes psicólogos para formar bem os filhos. Basta que os amem verdadeiramente, com um amor que combine sacrifício, carinho e fortaleza. Também não precisam ser santos - embora devam sempre manter viva a esperança de, com a graça de Deus, chegar a sê-lo um dia. Precisam somente lutar com sinceridade por viver uma vida cristã que possa ser notada nas pequenas coisas de cada dia. Nas palavras de Mons. Josemaría Escrivá: "Os pais educam fundamentalmente com a sua conduta. O que os filhos e as filhas procuram no pai e na mãe não são apenas uns conhecimentos mais amplos que os seus, ou uns conselhos mais ou menos acertados, mas algo de maior categoria: um testemunho do valor e do sentido da vida encarnado numa existência concreta, confirmado nas diversas circunstâncias e situações que se sucedem ao longo dos anos.

 

     "Se tivesse que dar um conselho aos pais, dir-lhes-ia sobretudo o seguinte: que os vossos filhos vejam - não alimenteis ilusões, eles percebem tudo desde crianças e tudo julgam - que procurais viver de acordo com a vossa fé, que Deus não está apenas nos vossos lábios, que está nas vossas obras, que vos esforçais por ser sinceros e leais, que vos quereis e os quereis de verdade.

 

     "Assim contribuireis da melhor forma possível para fazer deles cristãos verdadeiros, homens e mulheres íntegros, capazes de enfrentar com espírito aberto as situações que a vida lhes apresente" [5].

 

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[1] Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, 2 ed., Quadrante, São Paulo, 1976, n. 114.

[2] Talvez ninguém tenha insistido tanto como Mons. Josemaría Escrivá na harmonia que existe entre esses dois temas inseparáveis: "liberdade individual com a correspondente responsabilidade pessoal". Cf. É Cristo que passa, n. 184 e Questões atuais do cristianismo, 3 ed., Quadrante, São Paulo, 1986, n. 100.

[3] Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristianismo, n. 100.

[4] Ver também o subtítulo O BOLO ENVENENADO A MEIAS.

[5] É Cristo que passa, n. 28.