Tive ocasião de apontar na introdução que o divórcio é encarado hoje por muitos ocidentais como um sinal das sociedades progressistas. Compreendemos, assim, por que tantos se surpreenderam e até se escandalizaram quando, há uns poucos anos, o povo irlandês rejeitou por plebiscito o divórcio.
Insistamos mais uma vez em que só se pode considerar o divórcio como sinal de progresso quando se está convencido de que proporciona maior felicidade. Mas será que o divórcio realmente traz mais felicidade? Cria pessoas mais felizes, famílias mais felizes e sociedades mais felizes? Pelo menos, torna mais feliz a maioria, ainda que possa levar uma minoria à infelicidade? Neste caso, talvez se possa defender com certa razão que representa um progresso. Mas se as coisas não são bem assim, se somente uma minoria se torna mais feliz com o divórcio, ao passo que a maioria se torna cada vez mais infeliz, então o divórcio é contrário ao verdadeiro progresso. No meu modo de ver, é este segundo caso que corresponde à situação atual; mais ainda, qualquer pessoa pode verificar que é assim, se está disposto a refletir com clareza e observar os casos concretos.
Que o casamento é indissolúvel por natureza, Jesus Cristo o ensinou explicitamente (cf. Mt 19, 8-9), e este ensinamento do Senhor tem sido difundido e solenemente confirmado pela Igreja católica [1]. A Igreja ensina, portanto, que todo o casamento verdadeiro, seja sacramento ou não, é indissolúvel. O meu objetivo não é reafirmar aqui este ensinamento imutável, mas apenas sugerir que: a) o divórcio, mesmo no plano da felicidade terrena e individual, tende mais a prejudicar as pessoas do que a fazer-lhes bem; e b) a indissolubilidade, longe de ser inimiga do amor humano ou um fator que limita a auto-realização, atua como apoio e defesa desse amor e dessa auto-realização. Os argumentos a favor destas duas afirmações são complementares e, às vezes, até idênticos. A primeira tese pode ser tratada com certa rapidez, mas a segunda merece um pouco mais de atenção.
O DIVÓRCIO GERA DIVÓRCIO
O divórcio não favorece a felicidade; favorece o divórcio, e o divórcio marca sempre o colapso definitivo de uma esperança de felicidade. Costuma-se dizer que só está pensado como solução para os casos extremos, para aqueles cujo casamento realmente fracassou, a fim de lhes dar uma oportunidade de reconstruírem a sua vida. No entanto, cada vez mais é evidente que o remédio é pior do que a doença.
Com efeito, o divórcio não resolve os casos difíceis, provoca-os. O divórcio gera divórcio, e prolifera rapidamente. Já está mais do que comprovado que, uma vez admitida a prática do divórcio numa sociedade, a sua incidência cresce vertiginosamente. Vejamos como evoluíram as cifras nos Estados Unidos durante dois períodos de trinta anos cada, de 1900 a 1960 [2]. Mostram a relação entre o número de casamentos celebrados e o número de divórcios legalmente realizados num mesmo ano, ou seja, por assim dizer, a relação entre casamentos "feitos" e "desfeitos" nesse ano.
Ano |
Casamentos |
Divórcios |
Porcentagem de divórcios |
1900 |
709.000 |
56.000 |
8% |
1930 |
1.127.000 |
196.000 |
17% |
1960 |
1.527.000 |
395.000 |
26% |
Essa curva ascendente continuou a crescer dramaticamente, de tal modo que a porcentagem de 1960 já chegava ao dobro quinze anos mais tarde. Em 1975, houve 2.126.000 casamentos e 1.026.000 divórcios [3]: praticamente 50%. Um divórcio para cada dois casamentos!
É difícil que esses dados correspondam a um aumento da felicidade humana. Ao contrário, evidenciam o crescimento do fracasso e da solidão humanas. O casamento é, entre todas as instituições naturais, a que oferece as maiores garantias de felicidade graças à esperança de um amor estável, profundo e permanente que lhe é própria. Se nas sociedades divorcistas mais de 50% das pessoas que se casam deixam de encontrar felicidade no casamento, onde haverão de encontrá-la? Num segundo casamento? As estatísticas voltam a dizer que não. O índice de divórcios, entre divorciados que se casaram novamente, é três ou quatro vezes mais alto do que entre pessoas que se casaram pela primeira vez.
Não custa compreender que a legalização do divórcio tende a criar uma situação em que mais e mais casamentos vão por água abaixo. Numa sociedade em que o casamento é encarado como um passo irrevogável, as pessoas refletem duas ou três vezes antes de se decidirem, pois ninguém aceita levianamente um compromisso para toda a vida. Mais tarde, quando chegam as dificuldades da vida matrimonial, o fato de não existir uma "saída fácil" ajuda o casal a lutar por preservar a sua união e vencer os obstáculos. Numa sociedade divorcista, pelo contrário, é difícil que as pessoas, ao casar-se, não pensem de algum modo no fundo do seu coração: "Bem, se não der certo, sempre poderei recorrer ao divórcio". Com semelhante atitude, já não há nada de definitivo na decisão de casar-se. Quem pensa assim não está comprometendo toda a sua vida. Está apenas fazendo uma experiência, reservando-se ao mesmo tempo o "direito" de voltar atrás ou de retomar a liberdade se não der certo.
A mentalidade divorcista produz um modo comercial de encarar o casamento. Desde o começo, tende-se a considerá-lo como um negócio que envolve certos riscos, e por isso se insiste numa garantia do tipo: "Devolvemos a sua liberdade se não ficar satisfeito". "Experimentar para ver se serve" pode ser uma atitude saudável nas transações comerciais; mas será um bom fundamento para o que deveria ser um contrato de amor? A atitude de quem "experimenta para ver se serve" é essencialmente calculista, e estabelece as bases para um fracasso certo. Porque é possível experimentar roupas; mas não é possível que as pessoas façam experiências consigo próprias.
INDISSOLUBILIDADE E FELICIDADE
A minha segunda sugestão era que a indissolubilidade foi prevista (pela natureza, por Deus) para promover a felicidade humana ao invés de destruí-la. Ora, só compreenderemos o cerne da questão da indissolubilidade se compreendermos bem o cerne do próprio casamento. O casamento existe para tornar as pessoas felizes, ensinando-as a amar; e a indissolubilidade é simplesmente a regra dada por Deus aos que estão aprendendo a amar. E essa lei lhes diz que não têm o direito de renunciar ao esforço de amar, mesmo quando surgem dificuldades.
Aprofundemos um pouco mais. O casamento (e a indissolubilidade), como já vimos, deveria tornar as pessoas felizes porque essa é a vontade de Deus para os que se casam. Acrescentemos a essa afirmação alguns matizes evidentes:
a) Embora o casamento possa e deva tornar as pessoas felizes, não pode torná-las perfeitamente felizes. A felicidade perfeita não pode ser atingida aqui na terra. Só existe felicidade perfeita no Céu. Quem insiste em esperar uma felicidade perfeita do casamento com certeza ficará frustrado [4].
b) Em segundo lugar, é igualmente importante precisar que, embora o casamento possa tornar uma pessoa feliz, essa felicidade não virá sem esforço. Não é fácil encontrar a felicidade; sempre exige empenho. As felicidades fáceis não duram. É inconcebível, portanto, pensar que existam casamentos felizes sem esforço [5].
c) Do princípio geral: "O casamento deveria tornar as pessoas felizes", não se deve concluir levianamente que "o casamento deveria tornar-me feliz". Quem se sente obcecado por essa conclusão deixa-se dominar menos pela lógica do que pela impaciência, autocompaixão, amargura ou raiva; numa palavra, pelo egocentrismo. E um casamento contraído egocentricamente não pode funcionar, isto é, não pode fazer ninguém feliz.
Cada um destes pontos, mas especialmente o último, merece um comentário adicional.
O casamento não traz a felicidade perfeita. Não é essa a sua finalidade. A sua finalidade, digamos assim, é tornar os cônjuges suficientemente maduros para desfrutarem da felicidade perfeita. Servindo-se de tudo o que acontece aqui na terra, Deus vai-nos ensinando a amar, a fim de que sejamos capazes de desfrutar plenamente do Céu. O casamento é uma das escolas de amor mais intensivas, uma escola destinada à maioria dos seus alunos.
É aqui que entra o segundo ponto. Se o casamento exige esforço, é porque amar exige esforço. O amor não é uma lição fácil de aprender, muito pelo contrário. A razão desta dificuldade reside no fato de sermos criaturas fortemente centradas em nós mesmos. Ora, o amor, o verdadeiro amor, está centrado no outro, o que obriga o egoísta médio - isto é, nós mesmos - a superar o seu egoísmo para poder aprender a amar. Esta superação exige um esforço e uma luta constantes, com os seus altos e baixos naturais. O amor só cresce quando o egoísmo diminui. Se o egoísmo permanece, o amor já não pode crescer. E se o egoísmo cresce, o amor irá decaindo e correrá o risco de morrer. É que é raro o amor morrer de morte natural. Se um amor morre, o normal é que tenha sido assassinado, e o culpado é o amor-próprio.
Somos todos muito egocêntricos, ainda que não totalmente. Com efeito, experimentamos um desejo e uma necessidade ardentes de um amor autêntico, que nos faça girar ao redor de um outro, mas a verdade é que, em praticamente todos os casamentos, cada um dos cônjuges começa a vida conjugal com muito egocentrismo e pouca capacidade de entrega.
Mas - poder-se-ia dizer -, não será o contrário? Se duas pessoas que se casam costumam estar muito apaixonadas, não estarão por isso muito voltadas para o ser amado? Talvez sim, talvez não; só o tempo o dirá. Por que tantas pessoas que, ao se casarem, consideravam o outro como o "único no mundo", oito ou dez anos depois já "não o agüentam mais" e pedem o divórcio...? Dizem-nos que o seu amor "morreu", e que o divórcio é a única solução lógica para o seu caso. Examinaremos oportunamente quais podem ser as melhores soluções quando um amor "morreu". Mas vamos por partes. Façamos antes uma autópsia desse amor que - segundo dizem - acaba de morrer, lembrando-nos mais uma vez de que, se um amor morre, raramente é de morte súbita.
O amor, na hora do casamento, parecia esbanjar saúde. Que estranho processo de definhamento e deterioração ocorreu para que um dos cônjuges, ou ambos, queira escrever o seu necrológio dez ou quinze anos mais tarde? Será que, na verdade, esse amor não era tão forte e saudável como parecia no começo? Provavelmente não. Raras vezes um amor nasce forte, porque só raramente os cônjuges se conhecem em profundidade, isto é, tal como realmente são: uma mistura de qualidades e de defeitos, como todos nós.
O clima romântico, sim, começa forte. Mas esse clima tende a idealizar o outro, e, portanto, não está voltado para o outro na sua realidade, e sim para uma imagem sua particularmente agradável, contemplada através de óculos cor-de-rosa. Em outras palavras, o romantismo é perfeitamente compatível com uma boa dose de egocentrismo.
O romantismo é fácil e agradável. Pode dar ao amor o "empurrão" de que necessita para ir adiante, mas em si não é amor. E quando esse movimento inicial que o romantismo propicia se esgota, o amor - se efetivamente existia - tem de prosseguir por conta própria. É muito fácil "apaixonar-se". Mas amar, permanecer no amor, manter de pé o amor sem deixar que decaia, tudo isso é difícil.
O amor romântico não enxerga os defeitos da outra pessoa. O amor real tem de enxergá-los todos, ou pelo menos estar convencido de que existem e de que vão manifestar-se. E tem de amar o outro com os defeitos que tem, isto é, amá-lo ou amá-la como na verdade é. E isto é tudo menos fácil [6].
Uma declaração de amor que equivalesse a dizer: "Eu o amo com a condição de que você não tenha defeitos", simplesmente não seria amor. Seria o mesmo que dizer: "Eu o amarei com a condição de que não se transforme numa pessoa real..." Obviamente, o amor que nos inclina a amar um ser fictício é também um amor fictício. Mais ainda, dizer: "Eu o amarei com a condição de que você não tenha defeitos", corresponde a afirmar: "Eu o amarei com a condição de que não seja necessário esforçar-me por amá-lo..." Isso é puro e simples egoísmo, e nada mais.
CONDIÇÕES PARA AMAR
Por isso, todas as condições que se estabelecem ao amor (especialmente a possibilidade do divórcio) constituem um sinal de que o egocentrismo está presente e muito bem aquartelado na sua posição defensiva. "Eu o amarei até o dia 31 de dezembro de 1997 - desde que não encontre alguém que me atraia mais": isto soa à sinceridade, à franqueza, às "cláusulas em aberto" de um bom contrato comercial. Mas não soa a declaração de "amor".
Se o casamento é encarado como uma máquina de fabricar satisfação, a conseqüência é que deve ser substituído no momento em que deixe de dar essa satisfação, do mesmo modo que trocamos uma televisão quebrada ou um carro que já não funciona bem. Mas terá sido o casamento que "quebrou", ou foi o marido ou a esposa, ou ambos?... Quando um carro enguiça, pode tratar-se de um defeito de fábrica, mas também é provável que a falha se deva aos vícios do motorista. E se é assim, quanto durará um carro novo nas mãos desse mesmo motorista, se não aprende a dirigir bem?
É preciso aprender a amar. Isso custa trabalho. É uma aprendizagem que requer tempo. E pode até tornar-se mais difícil à medida que se progride. No entanto, se se persevera, aprende-se. Afinal de contas, é o mesmo que acontece em todas as facetas principais da vida, como na profissão ou em qualquer empreendimento. A imensa maioria das pessoas está absolutamente persuadida de que, para serem bem-sucedidas como médicos, advogados ou engenheiros, precisam cursar vários anos de universidade e, depois de terem obtido o diploma, continuar a estudar. E mesmo então, com anos e anos de trabalho e de aprendizagem constantes, talvez não consigam todo o êxito profissional que esperavam alcançar.
O curioso é que essas mesmas pessoas parecem esperar do casamento um êxito e uma felicidade fáceis e instantâneas. E quando surge a necessidade do esforço, se estão imbuídas da mentalidade divorcista, simplesmente acham que o mais razoável é abandonar tudo. Mas não é, como não seria razoável abandonar o estudo da medicina numa determinada faculdade porque a fisiologia e a farmacologia exigem demasiado esforço, e procurar outra faculdade em que se possa obter o título de médico sem passar por essas matérias. Se uma pessoa dessas conseguisse formar-se nalguma estranha escola de medicina que não ensinasse essas matérias, que poderia esperar da sua futura carreira a não ser o fracasso? Do mesmo modo, quem não estiver disposto a lutar pelo amor - a aprender a amar - será um marido fracassado ou uma esposa fracassada.
Ser feliz exige esforço. O casamento exige esforço. Quando uma pessoa casada, perante as dificuldades, começa a admitir pensamentos do gênero: "Pedirei o divórcio e casarei com outro(a) homem(mulher), pois com ele (ela) serei mais feliz", na verdade, sem o perceber, está dizendo: "A minha felicidade depende de que não me exijam demasiado. Só serei feliz se não tiver que entregar muito, se não tiver que sair de mim mesmo, se não tiver de fazer muito esforço para amar..." A pessoa que se deixe levar por esse pensamento nunca será feliz. E o motivo é claro. A felicidade é conseqüência da doação: É melhor dar do que receber (At 20, 35). A felicidade é impossível - dentro ou fora do casamento - para uma pessoa que esteja mais empenhada em receber do que disposta a dar.
A indissolubilidade é, portanto, uma lei dirigida justamente aos que quereriam "pular fora" [7], para os que se cansam das exigências do amor e da fidelidade e sentem a tentação de fugir da luta. Deus diz-lhes que não. E acrescenta: "Mantenham-se firmes". A luta pela felicidade não é um samba descomprometido, mas um jogo sabiamente "apitado" por Deus. E quando é jogado no campo do casamento, uma das suas regras principais é a indissolubilidade: não se pode sair do campo antes de o jogo acabar. Quem sai, perde.
Volto a repetir: não existe um caminho fácil para a felicidade. Os que recorrem ao divórcio por terem deparado comas dificuldades próprias do casamento, simplesmente estão recuando diante das dificuldades próprias da felicidade. Escolhem por vontade própria a estrada que os afasta da felicidade.
O maior inimigo do amor não é o egoísmo do outro, mas o próprio. Sempre poderemos fugir dos outros, mas o nosso egoísmo correrá conosco... Afinal de contas, é possível amar uma pessoa egoísta (Deus o faz); o egoísta é que pode vir a descobrir que não é capaz de amar.
A distância no tempo pouco alterou a atualidade das conclusões a que chegou certo artigo da revista Newsweek, de 1967, intitulado "A mulher divorciada". Dizia-se ali que as divorciadas admitiam ser mais egoístas e mais independentes, mais preocupadas com a sua própria imagem e socialmente mais inadaptadas, menos confiantes na felicidade, mais tristes... "A sua tristesse - continuava o artigo - manifesta-se no número de mulheres divorciadas que procuram a psicanálise, no grau de alcoolismo que se verifica entre elas (uma em cada quatro), e no número de suicídios que cometem (três vezes superior ao das mulheres casadas)" [8].
TRAZER DE VOLTA O AMOR
O instinto conjugal, que leva as pessoas a casar-se e as faz lutar por um casamento feliz, também as impulsiona a curar um casamento ferido ou a refazer uma união desfeita.
"Já não amo o meu marido (ou a minha esposa). O meu amor por ele (ou por ela) foi-se..." No entanto, esse amor que se foi pode voltar. Para isso, você tem de aprender a perdoar. Se tivesse perdoado antes (e, talvez, tivesse também pedido perdão), o seu amor não teria morrido. Não são as brigas entre marido e mulher que destroem o amor conjugal, mas a incapacidade de superá-las, perdoando e pedindo perdão. As brigas (mesmo as grandes), quando superadas, não só não destroem o amor, como até podem consolidá-lo. As brigas (mesmo as pequenas), quando não superadas, envenenam pouco a pouco a vida matrimonial e podem chegar a torná-la insuportável.
O amor que você teve um dia morreu... Mas que valor tinha ele para você? Com que sacrifícios manifestou que compreendia o seu valor? O que fez para protegê-lo? E, de modo especial, o que está disposto a dar agora para revitalizá-lo? O amor pode ser mantido vivo, mas não sem sacrifício. E pode ser revivido, mas não sem renúncia.
"Mas... não estou interessado em revitalizar esse amor. O meu casamento foi um fracasso; simplesmente já não me importo nada com o meu marido (ou a minha mulher)". É muito provável que isso não seja verdade. O amor conjugal é um tesouro muito grande, demasiado grande para que se possa perdê-lo sem remorsos. Retome o instinto conjugal que o levou a casar-se e tente reavivá-lo na sua pureza, idealismo e generosidade.
Afinal de contas, o instinto que leva a casar-se não é egoísta em si mesmo, e são poucas as pessoas que se casam por motivos meramente egoístas. O casamento deve ser construído sobre a generosidade própria desse instinto: a generosa tendência a ser um bom marido ou uma boa esposa, a aprender a amar o outro tal como é, com os seus defeitos; o generoso impulso de engolir o orgulho, de passar por alto os acontecimentos desagradáveis, de perdoar e esquecer. Simplesmente não é cristão, nem humanamente honrado, imaginar que a vida é governada pelo instinto do "cada um por si", do "pagar na mesma moeda", do responder a uma ofensa com outra.
Há um episódio indelevelmente impresso na minha memória, observado por ocasião de um passeio ao Grand Canyon. Nada tem a ver com aquele formidável espetáculo que a natureza construiu sobre a natureza ao longo de trinta milhões de anos. Tem a ver, pelo contrário, com uma minúscula parcela da humanidade, cujo berreiro ecoava pelo silencioso ônibus ecológico que nos levava pela borda da margem sul do Canyon. A mãe tentava apaziguar a criança, esgotando inutilmente todas as suas reservas de paciência. Não sei o porquê daquela raiva infantil, mas o certo é que irrompeu subitamente num clímax brutal dirigido contra a mãe; aquela voz de três anos de idade, aguda, articulou malignamente cada vogal: "Eu - te - odeio..." Todos, no ônibus, fomos tomados de espanto e de mágoa, mas esse suspense maligno durou um instante. Foi dissipado pela resposta da mãe, rápida, clara e sincera: "E - eu - te - amo".
"Mas, dirá alguém, assim é a natureza humana; é o instinto maternal que leva a amar assim". Concordo. Mas acrescento que o instinto conjugal é igualmente natural, e que é ele que leva as pessoas a quererem ser fiéis no casamento, aconteça o que acontecer, a reagirem com amor pelo marido ou pela esposa quando estes fazem algo desagradável ou odioso.
Quem responde ao desprezo e ao ódio com amor, esse vence sempre. O amor é a arma secreta, o instrumento mais forte; tem a força de Deus.
Se você quer revitalizar o amor conjugal, volte a olhar os pontos positivos que antes notava no seu cônjuge e que foram o motivo do seu amor. É pouco provável que tenham desaparecido completamente; o que você terá de fazer é esforçar-se por encontrá-los de novo. E, para isso, terá de afastar decididamente do seu pensamento os pontos negativos que ele tem.
Também poderá ser muito útil procurar os pontos positivos que as amigas da sua esposa ou os amigos do seu marido vêem nela ou nele. Nos momentos de tensão, não procure a opinião ou o conselho dos seus próprios amigos, mas o dos amigos dele ou dela. Os primeiros provavelmente não serão capazes de ajudá-lo a ver o seu cônjuge a uma luz mais verdadeira e melhor; mas os segundos - se você lhes der ouvidos - com certeza o farão.
UNIÕES SEM SENTIDO?
Uma última palavra sobre os casos "perdidos". O que fazer, por exemplo, se a outra pessoa realmente parece ter perdido todas as virtudes e atrativos? O que fazer se o marido se tornou um alcoólatra irrecuperável ou a esposa sofre de uma doença psíquica? Mesmo nessas circunstâncias, conheci muitos casos - inúmeros - em que as pessoas souberam manter-se fiéis ao recordarem as promessas que o amor lhes havia inspirado: "Na alegria e na tristeza, na doença e na saúde"... Ao verem o seu cônjuge reduzido a um estado lamentável de doença ou de baixeza, aceitaram o desafio e atingiram alturas heróicas no amor.
Simplesmente não é verdade que a Igreja, ao recusar o divórcio nesses casos, esteja condenando o marido ou a esposa à infelicidade. O cônjuge inocente sofrerá, sem dúvida, mas não será infeliz, se tentar carregar a sua cruz em íntima união com Cristo.
E aqui é preciso fazer ainda uma outra observação. Se uma pessoa experimenta a sensação de que não conseguirá estar à altura de uma situação extrema - quando, por exemplo, uma mulher se apercebe de que não conseguirá conviver com um marido que se tornou alcoólatra e a maltrata fisicamente -, então, como último recurso, pode pedir a separação.
Neste sentido, a Igreja não nega o direito à separação. Diz-nos o seguinte: "Você pode separar-se do seu cônjuge, mas ainda se encontra unido a ele". Ou talvez possamos exprimi-lo melhor de outra forma. Na verdade, neste ensinamento, é Cristo quem se dirige a nós e nos diz: "Você pode separar-se do seu cônjuge, mas não pode separar-se de Mim. Você já não se sente feliz com essa pessoa, mas sentir-se-á feliz comigo. Seja fiel ao que Eu lhe peço, procure administrar bem o talento de fidelidade que Eu lhe confiei um dia, e a sua recompensa será grande".
Não se trata aqui de uma condenação à infelicidade, mas de um chamado especial à santidade. Algumas pessoas, é verdade, correspondem prontamente a esse chamado e crescem ao fazê-lo. Outras não. É como no caso das pessoas a quem inesperadamente diagnosticam um câncer: umas aceitam a sua doença e elevam-se a novas alturas do amor a Deus, ao passo que outras se afundam no desespero e no rancor. Estamos simplesmente diante do profundo mistério da liberdade humana, e da sua capacidade de corresponder de modos diversos à graça divina.
A idéia de que um casamento que se tornou um peso é um casamento "sem sentido", e de que deve por isso ser completamente desfeito pelo divórcio, partilha da mesma visão desesperada do mundo de quem considera absurdos os sofrimentos de um doente incurável e afirma que é preciso pôr-lhes um ponto final através da eutanásia.
Todos os casamentos, como todas as doenças, chegarão um dia ao seu fim. Neste sentido, todos são terminais. Mas nenhum deles tem de estar necessariamente desprovido de sentido. Todas as nossas experiência terrenas, boas e más, chegarão ao seu fim. Ou melhor: serão as nossas cruzes que chegarão ao seu fim, um fim que - se tivermos procurado carregá-las bem - será o começo da nossa verdadeira felicidade e da nossa recompensa.
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[1] Cf. Concílio de Trento, sessão 24, cânon 5; Concílio Vaticano II, Const. Gaudium et spes, n. 48-50.
[2] Collier's Encyclopedia, vol. 8, pág. 281 (edição de 1968).
[3] National Center For Health Statistics, Washington, D.C.
[4] Cf. cap. 1.
[5] Com efeito, se um casal vivesse sempre "feliz" no seu casamento, sem jamais ter lutado pela sua união, essa "felicidade" seria medíocre e o casamento não teria dado certo para esse casal, na medida em que não o teria feito amadurecer.
[6] Até amar a Deus, que não tem defeitos, já é difícil; porque, embora Ele não tenha defeitos, nós os temos. Todos sentimos dificuldade em sair do nosso "eu" e entregar-nos ao outro - o que, afinal de contas, constitui o núcleo do amor. E sentimos essa dificuldade mesmo quando o Outro é perfeito. Quando não é, como acontece em todo o relacionamento puramente humano - incluído o casamento -, a dificuldade é ainda maior.
[7] Se estar continuamente "apaixonado" fosse próprio da natureza humana, não haveria necessidade da lei da indissolubilidade... Neste sentido, essa lei existe precisamente para os que já não se sentem apaixonados!
[8] Newsweek, 13 de fevereiro de 1967.