5. DIVÒRCIO: OS FILHOS

     No capítulo anterior, procuramos mostrar que o vínculo matrimonial tem por finalidade proteger o amor entre os cônjuges, conservá-lo íntegro, a despeito do desgaste e dos dilaceramentos da vida cotidiana, e das forças centrífugas do egoísmo. Mas a indissolubilidade do vínculo matrimonial não existe só para proteger o amor dos cônjuges; visa também, e de modo muito especial, proteger o amor aos filhos: impede que a atmosfera de amor de que necessitam para o seu desenvolvimento e felicidade se despedace pela fraqueza de um ou de ambos os pais, pelo seu egoísmo ou simplesmente pela sua falta de reflexão.

 

     Já se repetiu muitas vezes que os filhos têm direito à fidelidade dos pais; aliás, é evidente que o divórcio os torna infelizes. Eu gostaria ainda de sugerir mais uma perspectiva sob a qual encarar este tema.

 

     Num caso de divórcio, não há dúvida de que se pode defender o direito dos filhos à felicidade, contrapondo-o ao direito à felicidade que os pais reclamam para si, ou (o que costuma ser mais provável) que um dos pais reclama para si. No entanto, parece-me ainda mais positivo dirigirmo-nos diretamente ao coração do cônjuge que quer a separação e tentarmos ajudá-lo a tomar em consideração ao mesmo tempo a sua própria felicidade e a felicidade dos seus filhos, uma vez que ambas são inseparáveis. Com efeito, a felicidade dos filhos (a felicidade mais fácil de todas a que têm direito) e a felicidade dos pais (a felicidade mais exigente que estes devem estar dispostos a viver) estão de tal modo interligadas que uma não pode sobreviver sem a outra.

 

     Digamos que uma pessoa casada deixou de amar o seu cônjuge e "se apaixonou" por uma terceira pessoa. Vem pensando em pedir o divórcio, e alega como justificativa "o meu direito à felicidade". É evidente que pensa de maneira egoísta; mas interessa-me mais sublinhar aqui que não pensa com lucidez. O seu direito à felicidade não será satisfeito por um divórcio, pois o divórcio danifica muitas outras realidades essenciais à sua própria felicidade. O divórcio despedaça-lhe a felicidade dos filhos, o que também compromete seriamente a sua própria felicidade.

 

2UM CORAÇÃO DIVIDIDO

 

     A situação que acabamos de mencionar tem de ser adequadamente analisada. Não basta identificar aqui uma espécie de oposição externa entre "felicidades", como se o pai ou a mãe tivessem caído num fogo cruzado entre o seu direito pessoal à felicidade e o direito à felicidade dos filhos. Também não é suficiente afirmar que o marido ou a esposa devem estar prontos a sacrificar a sua felicidade pessoal em favor da dos filhos. Há alguma verdade nisso, mas trata-se apenas de uma parcela da verdade total.

 

     A questão central é que o coração de uma pessoa que pede o divórcio está interiormente dividido em relação à sua própria felicidade. O seu coração encontra-se dilacerado entre duas maneiras conflitivas de alcançar a felicidade, e se não resolver adequadamente a tensão, jamais será feliz.

 

     Por um lado, a pessoa pensa: "Não serei feliz se continuar a viver com o meu marido ou com a minha esposa" (e, talvez, "Só serei feliz se puder viver com Fulano ou com Fulana, a quem agora estou amando"); por outro, diz: "Mas também não serei feliz sem o amor dos meus filhos"...

 

     Consideremos esta segunda parte do dilema com todas as suas implicações. Poder-se-á, por exemplo, argumentar: "Ora, posso divorciar-me e continuar a viver com os meus filhos, pelo menos durante a maior parte do tempo"; ou ainda: "Posso divorciar-me e continuar a ser amado pelos meus filhos".

 

     É aqui que o raciocínio perde o contacto com a realidade. Uma pessoa divorciada pode manter a custódia parcial ou total dos seus filhos, mas certamente não conseguirá conservar o amor que lhe dedicam, pelo menos na íntegra. Na melhor das hipóteses, conservará uma parte muito reduzida desse amor, pois o simples fato do divórcio destrói inevitavelmente uma parte considerável dessa afeição. É por isso que pensar: "Mesmo que eu me divorcie, continuarei a amar os meus filhos como antes, e eles continuarão a amar-me como antes" é uma pura auto-ilusão. Simplesmente não é verdade. Se você se divorciar, nunca mais as coisas serão "como antes". Os seus filhos não poderão amá-lo como antes; na melhor das hipóteses, hão de amá-lo com um amor mutilado, com o mesmo tipo de amor que você demonstrou ter por eles no momento em que se divorciou. Se o seu amor por eles não estava pronto para o sacrifício, ao amor deles por você faltará respeito.

 

     Quando um casal não tem filhos, o marido ou a esposa têm menos defesas contra a tentação de encarar o divórcio como a melhor saída para as dificuldades e como o melhor caminho para a felicidade. Mas uma vez que uma pessoa casada se tornou pai ou mãe, já não existe uma saída fácil para as dificuldades nem um caminho fácil para a felicidade. A menos que os filhos não signifiquem nada para os pais, só existe para estes um único modo de serem felizes: o caminho que passa através das dificuldades.

 

     O divórcio só pode ser encarado como a saída fácil quando não há amor pelos filhos. Mas então quem escolhe essa saída é uma pessoa sem amor, que seguirá pelo caminho que escolhe acompanhado pela sua própria falta de amor.

 

     Nas famílias em que há filhos, e em que os filhos são amados, a tentação do divórcio põe à prova todas as qualidades e recursos da pessoa. Dessa luta, alguns saem vitoriosos, outros derrotados. Muitas derrotas, porém, com o seu séquito de tristezas, poderiam ter sido evitadas se as pessoas tivessem sido ajudadas a pensar mais lucidamente sobre o que estava em jogo e sobre o alcance das decisões que tinham de tomar.

 

     A questão essencial é a felicidade de todas as pessoas envolvidas. E as forças - presentes e ativas no próprio coração da pessoa que sente a tentação de divorciar-se - são basicamente duas. Uma delas - poderosa e aparentemente irresistível - ataca com furor o próprio casamento, e faz-se presente por meio de uma voz que repete com insistência: "Não agüento mais viver com esta pessoa. Não consigo suportar esta situação por mais tempo". Ao mesmo tempo, porém, e no mesmo coração, existe uma outra força que luta impetuosamente a favor do casamento, a favor do lar em que eu sou o pai ou a mãe, a favor dos meus filhos. E a sua voz repete com igual insistência: "Não posso abandonar os meus filhos. Não posso destruir o seu amor".

 

     Duas forças que se combatem. Duas vozes que lutam por ser ouvidas, cada uma das quais se esforça por abafar a outra. Uma delas transmite cansaço e tédio: "Estou farto de tudo isto"; é a voz do vitimismo, da autocompaixão, da resignação: da derrota. A outra é a voz da generosidade e da lealdade: "Você precisa pensar menos em si próprio. Vamos, volte a lutar." Duas forças que combatem ferrenhamente no interior de uma pessoa. Qual das duas vencerá?

 

     A voz do cansaço tem os seus argumentos: "Sim, é melhor para os nossos filhos que nós nos separemos. Assim não ficarão expostos a estas brigas constantes entre nós, que tanto mal lhes fazem". O erro deste argumento é que não apresenta todas as alternativas possíveis. Sem dúvida, é prejudicial às crianças presenciar as brigas entre os seus pais e é melhor que não fiquem expostas a elas; mas é pior ficarem expostas ao divórcio. Revela pouca experiência da vida quem não compreendeu que é mais prejudicial para uma criança perder um dos seus pais pelo divórcio do que perdê-lo pela morte.

 

TODO O AMOR DE QUE OS MEUS FILHOS PRECISAM

 

     Se uma pessoa que pretende pedir o divórcio é capaz de pensar com lucidez, chegará à seguinte conclusão: o divórcio pode ser mais fácil para mim, mas nunca será o melhor para os meus filhos. O bem dos filhos, o melhor para eles, é que os seus pais - o pai e a mãe da família a que pertencem, não um pai ou mãe substitutos - vivam juntos, numa união deliberada e fiel, mesmo que não exista uma harmonia perfeita.

 

     "Mas isso é impossível. No nosso caso, é impossível. A maneira como ele, ou ela, se comporta... leva-me à loucura. Não, não. Não podemos viver juntos, nem sequer com um mínimo de harmonia externa".

 

     Vocês não podem viver juntos? Dependerá de saber até que ponto estão motivados. Se ambos estiverem realmente preocupados com os filhos e com o que é melhor para eles, então - com a oração e a ajuda de Deus - ainda será possível que aprendam a viver juntos, pelo menos com um mínimo de harmonia externa. Vocês não podem viver juntos? Pelo menos podem tentar - por amor dos seus filhos.

 

     "Não, não. Não posso de jeito nenhum" (e, a seguir vem um novo "argumento"): "Seja como for, eu continuo a amar os meus filhos. Mesmo depois do divórcio, dar-lhes-ei todo o amor que lhes dava antes. Dar-lhes-ei todo o amor de que precisam..."

 

     Você não compreende que o amor de que eles precisam não é o amor isolado do pai ou da mãe? Não é só do seu amor que precisam; é do seu amor e do do seu cônjuge juntos. Precisam do amor dos seus pais: dos dois amores unidos, do amor do pai e do amor da mãe irrevogavelmente unidos e defendidos, como algo sagrado, contra toda e qualquer força que tente separá-los.

 

     Não separe o homem o que Deus uniu (Mt 19, 6): esta proibição divina refere-se ao divórcio de mais de uma maneira. Particularmente, refere-se também a esse amor conjunto dos pais pelos filhos, um amor que ninguém - nem os próprios pais - tem o direito de destruir pela separação. Vocês já não podem estar unidos pelo amor que têm um ao outro? Estejam, então, unidos pelo amor que ambos têm pelos seus filhos.

 

     "Os meus filhos precisam do amor dele (ou dela) tanto como do meu": isto é o que Deus quer que você considere. Aliás, é também o que o seu coração lhe pede que perceba corajosamente: "Os nossos filhos precisam do nosso amor, e a ele têm direito". Se você ainda duvida de que esta é a verdade, pergunte-lhes a eles: "Vocês preferem dois amores separados ou dois amores juntos: o amor dos seus pais?"

 

     Contudo, alguns pais que levantam a hipótese de se divorciarem não só estão cegos para esta realidade, mas chegam até a pensar que a necessidade que os filhos têm de amor pode ser suprida facilmente. "Os meus filhos precisam do amor de um pai (ou de uma mãe), além do meu? Muito bem. O Carlos (ou a Maria) - com quem me casarei assim que estiver livre - será para eles um novo pai maravilhoso ou uma nova mãe maravilhosa. Na verdade, um pai muito melhor (ou uma mãe muito melhor) do que o grosseiro do Roberto (ou do que a insuportável da Joana) que infelizmente tive de suportar todos estes anos" [1].

 

     O que esses pais não percebem é que esta possibilidade nunca existirá na mentalidade dos seus filhos. Eles poderão gostar ou não do Carlos ou da Maria. Poderão tornar-se bons amigos deles ou não. Mas nunca o Carlos ou a Maria serão nem se tornarão pai ou mãe daquelas crianças.

 

     É que o Roberto e a Joana, por mais grosseiros ou insuportáveis que sejam, são os pais daquelas crianças: os pais que elas têm e os pais de que necessitam, por maiores que sejam os seus defeitos.

 

     "Mas - ouço a objeção - o senhor não conhece o Roberto, as suas bebedeiras, o modo como trata os nossos filhos quando fica bêbado. Como pode isso ser bom para as crianças?"

 

     Não, não é bom. Mas um divórcio seria pior. Pense, por outro lado, que a sua fidelidade lhes fará um bem muito maior do que o mal que a embriaguez dele lhes possa causar. E que a sua infidelidade lhes causaria um mal ainda maior do que essa mesma embriaguez.

 

O QUE OS PAIS ENSINAM AOS FILHOS

 

     Ser pai e ser mãe não significa unicamente abraçar e beijar os filhos, comprar-lhes presentes ou simplesmente dar-lhes de comer e pagar as mensalidades do colégio. Ser pai e ser mãe significa educá-los, preparando-os para a vida. E você pode educá-los maravilhosamente mantendo-se fiel a esse marido grosseiro ou a essa mulher insuportável. Você pode educá-los também através dos seus fracassos. Porque é evidente que você experimentará alguns fracassos. Mesmo com essas derrotas pessoais - contanto que recomece a lutar sempre -, você ajudará os seus filhos, e muito. Você, nessas circunstâncias concretas e tão difíceis, estará cumprindo maravilhosamente a sua missão de pai ou de mãe. Estará ensinando aos seus filhos duas coisas muito importantes para a vida:

 

a) que na vida existem certas coisas sagradas, e que o casamento - para sempre, até à morte - é uma delas;

 

b) que o casamento, destinado a ser uma união duradoura, realiza-se entre duas pessoas normais, cheias de defeitos. O casamento não perdura porque essas duas pessoas estão perfeitamente identificadas, porque os seus temperamentos estão idealmente adaptados um ao outro, porque nunca tiveram uma briga, porque nunca experimentaram dificuldades na convivência... Não. O casamento perdura porque essas duas pessoas querem que perdure, e porque aprendem a conviver.

 

     É importantíssimo para um jovem que esteja nos umbrais da idade adulta, especialmente quando pretende casar-se, poder dizer: "O casamento dos meus pais permaneceu firme. Os dois nunca se lembraram de separar-se. E não é que tenha sido fácil, não é que formassem um casal perfeito. De modo algum! Tinham os seus defeitos (nós, os filhos, os percebíamos muito bem: os ataques de nervos da mamãe, as intransigências do papai...). E mesmo assim mantiveram-se unidos, talvez sobretudo pelo nosso bem. Penso que se mantiveram unidos também porque rezavam. Tinham as suas brigas, mas foram fiéis".

 

     Quanta segurança e fortaleza sente um jovem, perante o seu próprio casamento, quando pode dizer tais palavras! Não quererá ser menos bom do que os seus pais, e saberá que isso não é fácil. Pensará muitas vezes antes de se dispor a assumir um compromisso que agora começa a apresentar-se como possível. O amor por este rapaz, por esta moça..., durará? E quando uma voz interior lhe insinuar: "Mas qual é o problema? Se não der certo, você sempre poderá lançar mão da saída fácil", é muito provável que surja no seu coração esta resposta imediata: "Mas eu não quero a saída fácil. Os meus pais também não a quiseram ou, pelo menos, não lançaram mão dela. Quero um casamento que dê certo. Quero um amor que perdure. Já vi muitas pessoas, não muito mais velhas do que eu, que optaram pela saída mais fácil, e em que confusão infeliz se converteu a vida deles! Não quero isso para mim".

 

     Esta é a grande lição sobre o casamento que os filhos aprendem ao verem a fidelidade dos seus pais no meio de fadigas e tensões. Em contraste, o que é que ensinam aos seus filhos, que imagem do casamento lhes transmitem, os pais que cedem à tentação do divórcio? O casamento - é o que na verdade esses pais dizem aos seus filhos - é um gênero de consumo; não só é provável que se estrague, como não vale a pena tentar consertá-lo se quebrar. Aliás, é impossível consertá-lo. Quando você percebe os primeiros sinais de defeito, o melhor é desfazer-se dele e procurar um novo.

 

     Um marido ou uma mulher? São bens que se podem adquirir, como se adquire um automóvel. Você escolhe um modelo ao seu gosto, que considere confortável, fácil de dirigir, e que não lhe dê muito trabalho... Assim que envelhecer ou começar a bater os pinos, causando mais preocupação do que o preço que vale, troque-o por outro. Aliás, como é bem baratinho, vale a pena procurar um modelo novo e dar o velho como parte da transação.

 

     E o que fazer se tiverem nascido filhos desse casamento? "Bem, esperemos que gostem da troca; aliás, até poderiam encará-la como uma brincadeira divertida. Mas se não gostarem da mudança..., que tratem de pôr boa cara e agüentar. Sou o pai (ou a mãe) deles? É claro; mas, para ser sincero, nunca lhes dei muita importância. Sempre foram acessórios que acompanhavam a compra original. Acessórios... sim, é exatamente isso o que eles são. O mais importante nesta história é que eu seja feliz com o meu automóvel. E se os antigos acessórios não se adaptarem ou não servirem para o novo modelo, bem, infelizmente, não há outra solução: serei obrigado a desfazer-me deles. Afinal, eles também não podem significar tudo para mim".

 

     Esta é a idéia e a imagem do casamento que os pais divorciados incutem nos seus filhos. E quando esses filhos se casarem, e chegar o momento (porque esse momento sempre chega) das dificuldades dentro do seu casamento, como reagirão? Que espécie de pessoas mostrarão ser nesse momento? Pouca dúvida há de que serão como os seus pais: "Por que devo eu tentar salvar o meu casamento, agora que se tornou difícil levá-lo para a frente? Por que devo eu sacrificar-me pelos meus filhos? Os filhos não se preocupam com os pais" (oh, sim: você se preocupava, e muito, com os seus pais, até que eles traíram a sua confiança e o deixaram amargurado). "Os filhos não respeitam os pais; pelo menos eu nunca respeitei os meus" (mas a verdade é que você os respeitou - até que eles se divorciaram...).

 

     O divórcio estigmatiza os filhos. Lança sobre eles uma condenação à infelicidade. E à medida que a experiência da infelicidade for crescendo neles, aumentará também a sua amargura em relação aos pais que não souberam ser fiéis.

 

     Ou seja, quando você pensa na possibilidade de divorciar-se, não é só a felicidade presente dos seus filhos que está em jogo, mas também a futura. Está em jogo o tipo de vida que você preparou para eles, o tipo de felicidade - fácil ou difícil, falsa ou verdadeira - que você, através da sua própria vida e exemplo, os ensinou a buscar. Não é só o seu casamento que está em jogo, mas também o futuro casamento dos seus filhos. Jogue pela janela o seu casamento (e a sua família) hoje; e estará lançando fora o casamento dos seus filhos amanhã.

 

FIDELIDADE E FELICIDADE

 

     Quem começa a pensar na hipótese do divórcio deve refletir sobre todas estas realidades, a respeito das quais talvez só tenha uma consciência muito vaga. A alternativa com que se defronta não é, como parece à primeira vista, uma escolha entre "liberdade com felicidade", por um lado, e "condenação à tristeza para sempre", por outro. O que essa pessoa enfrenta é uma escolha entre dois modos de encarar a felicidade. O primeiro é difícil: é permanecer vinculada (ou seja, ser fiel) ao seu casamento e à sua família. O segundo parece fácil: basta "libertar-se".

 

     O que esse homem (ou mulher) pode não perceber é que a segunda opção simplesmente não constitui uma opção a favor da felicidade. Com efeito, o divórcio "liberta-o" de muitas coisas. "Liberta-o", sobretudo, do dever de amar alguém que tinha prometido amar e que já não parece merecer o seu amor. Mas também "liberta-o" do direito e do privilégio de ser amado por aqueles cujo amor certamente ainda quer, mas que está a ponto de não merecer: os seus próprios filhos.

 

     É por isso que a segunda opção não é uma opção pela felicidade; ou, se preferirmos, é na realidade uma opção por uma "felicidade" tão pobre que nunca fará ninguém realmente feliz. Será uma felicidade baseada em cálculos do tipo "lucros e perdas", mas em cálculos muito mal feitos, porque será necessário lançar na coluna das perdas coisas demasiado valiosas. Será uma felicidade destinada a uma rápida falência, por ter sido adquirida a um custo excessivamente alto [2].

 

     Este capítulo e o anterior foram escritos para casais que percebem que o seu casamento se encontra à beira de um colapso. Pretendem ajudá-los a refletir sobre a fidelidade conjugal e sobre os muitos motivos que têm para renovar ou fazer reviver o amor que foi a razão de ser do seu casamento.

 

     Mas a experiência pastoral ensinou-me que esta argumentação, para muitos casais, chega tarde. Parece inútil apelar para um amor que um dia existiu, mas que agora parece estar definitivamente morto, para além de qualquer tentativa de recuperação. Mesmo nestes casos, contudo, pode-se e deve-se apelar para o amor que ainda existe: para o amor que os esposos têm pelos filhos. Este foi o propósito deste capítulo: estimular a fidelidade paternal e maternal. Porque, com efeito, os filhos são o grande motivo para salvar um casamento, para manter unida a família, custe o que custar.

 

     Se marido e mulher decidem com todas as suas forças não abandonar os filhos, Deus também não os abandonará. Se se esforçam por continuar unidos ou, pelo menos, por conviver num clima de mútua tolerância, então haverá uma base para a possível, embora gradual, ressurreição do seu amor um pelo outro.

 

     É muito comum que pais prestes a separar-se, e que se decidem a lutar pela felicidade dos seus filhos - que resolvem enterrar as suas incompatibilidades e mantê-las enterradas -, comecem a redescobrir pouco a pouco o respeito mútuo, porque cada qual tomará consciência de que o outro está fazendo um sacrifício; e desse respeito pode nascer de novo o verdadeiro amor. Esse mesmo amor que consideravam morto para sempre, revive.

 

     "Estou sacrificando a minha vida pelos meus filhos. Mas vejo que ele (ou ela) está fazendo o mesmo. Nós estamos fazendo tudo o que podemos pelos nossos filhos". E assim volta a emergir a consciência de uma finalidade comum, de um empreendimento conjunto. E se ambos perseverarem, essa consciência os conduzirá gradualmente a um respeito mútuo renovado. E o respeito dará origem a uma renovada admiração. E a admiração, ao amor.

 

     Até agora não mencionei a situação mais dura de todas: aquela em que um dos pais já abandonou definitivamente a família, exigiu o divórcio e casou-se pela segunda vez. O que devem fazer a mãe ou o pai que ficaram para trás? Não abandonar os filhos, sabendo que a maneira mais evidente de abandoná-los seria que também ele ou ela pretendesse casar de novo. Se um dos pais torpedeou a família, o outro não pode acabar de afundá-la.

 

     Sem dúvida, o cônjuge abandonado terá de encontrar um sem-número de forças especiais. Só Deus pode dá-las; mas Ele o fará. Se esse pai ou essa mãe rezarem, receberão as graças necessárias para darem aos filhos um exemplo de fidelidade - fidelidade precisamente a uma esposa ou a um marido infiel -, e esse exemplo ajudará os filhos a manter diante dos olhos o ideal do casamento - esse ideal que implica também a exigente realidade do casamento.

 

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[1] Esta idéia de que um novo casamento permitirá que os filhos encontrem um novo pai ou uma nova mãe, em lugar de constituir um argumento a favor do divórcio, evidencia na verdade um dos piores efeitos do segundo casamento. Pode muito bem ser, por exemplo, que uma mulher já não ame o seu marido e sinta que está amando outro homem. Mas só um egoísmo extremado ou uma cegueira psicológica total pode fazê-la pensar que os seus filhos poderiam - ou deveriam - efetuar uma fácil transferência dos seus sentimentos naturais e profundamente arraigados. O mero desejo - para não mencionar a tentativa - de que eles transfiram o seu amor filial para um pai substituto ou para uma mãe substituta, rejeitando o seu pai ou a sua mãe verdadeiros, pode produzir as mais graves conseqüências psicológicas.

[2] Por este motivo, alguns casais que evitam deliberadamente ter filhos, pensando em desfrutarem sozinhos do amor mútuo, notam com o decorrer dos anos que esse amor não os protege do inevitável ataque do egoísmo.