3. LIBERDADE DAS CONSCIENCIAS NA IGREJA: SUMARIO

Antes de abordarmos o assunto central deste capítulo, é necessária uma precisão terminológica. Não usamos a expressão liberdade de consciência, mas liberdade das consciências, que nos parece mais correta. Com efeito, a consciência não pode definir o que é mau ou bom caprichosamente, segundo os seus gostos pessoais; tem obrigação de procurar a verdade (obrigação da consciência), e obrigação de atuar segundo essa mesma consciência (obrigação para com a consciência).

 

           Lemos num dos documentos do último Concílio: De acordo com a sua dignidade, todos os homens, por serem pessoas, são levados pela sua própria natureza a procurar a verdade, e, além disso, têm obrigação moral de fazê-lo, sobretudo no que se refere à religião. Estão obrigados também a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda a sua vida segundo as exigências da verdade... Tudo isto se torna ainda mais evidente para quem considera que a norma suprema da vida humana é a própria lei divina, eterna, objetiva e universal, através da qual Deus ordena, dirige e governa o mundo e o destino da comunidade humana, segundo o desígnio da sua sabedoria e do seu amor. Deus faz o homem partícipe desta sua lei, de maneira que o homem, por suave disposição da providência divina, pode conhecer cada vez mais a verdade imutável. Portanto, cada qual tem o dever e, conseqüentemente, o direito de buscar a verdade em matéria religiosa, a fim de chegar a formar, com prudência e utilizando os meios adequados, juízos de consciência retos e verdadeiros (Declaração Dignitatis humanae, ns. 2 e 3). É neste sentido que o homem não tem liberdade de consciência como tem, por exemplo, liberdade de opinião em muitas coisas da vida; a consciência não pode decidir o que é bom ou mau. A sua missão é julgar em cada caso o que é bom ou mau segundo as verdades e as leis morais objetivas, imutáveis e universais.

 

           No mesmo documento acima citado, o Concílio recorda-nos que os homens não podem satisfazer esta obrigação de forma adequada à sua natureza se não gozarem de liberdade psicológica e de imunidade de coação externa... A verdade deve ser procurada de modo adequado à dignidade da pessoa humana e à sua natureza social, isto é, mediante uma pesquisa livre, com ajuda do magistério ou da educação, da comunicação e do diálogo... (ibidem). Por outras palavras: não se pode coagir a consciência; é a consciência de cada um que deve identificar o dever que lhe cabe em cada situação (com os conselhos e ajudas que possa receber, ou mesmo com a obediência; de qualquer forma é a pessoa, em última análise, que deve ver o que lhe compete fazer e que deve obedecer). Por isso, pode-se afirmar que não há autoridade na terra que possa obrigar ninguém a casar-se ou a fazer-se religioso, a ter fé ou a deixar de tê-la, etc... Neste sentido, pode-se e deve-se falar de liberdade das consciências (no plural).

 

           Esta é a expressão que Pio XI e os Papas em geral consideraram como resumo da doutrina, e a mais correta: Dizíamos há pouco estarmos alegres e ufanosos de combater a boa batalha pela liberdade das consciências, mas não (como alguém, talvez inadvertidamente, Nos fez dizer) pela liberdade de consciência, frase equívoca e da qual se abusou demasiado para significar a absoluta independência da consciência, coisa absurda na alma criada e redimida por Deus (Pio XI, Encíclica Non abbiamo bisogno, 50; AAS 23 [1931], 300). Liberdade das consciências é a expressão utilizada também por Mons. Escrivá nos seus escritos, e a que é utilizada em geral pelos autores católicos para evitar os equívocos da liberdade de consciência.

 

           Neste ponto, além dos documentos citados, é fundamental a Encíclica Libertas, de Leão XIII. Pode-se ver também: Pio XI, Encíclica Firmissimam constantiam, 33 (AAS 29 [1937], 196): Pio XII, La decimaterza, 49 (AAS 44 [1952], 15); Ci torna, 10 (AAS 39 [1947], 496); La festività, 12-13 (AAS 40 [1948], 10); João XXIII, Pacem in terris, 14 (AAS 55 [1963], 260-261), etc...

 

A IGREJA, REDUTO DA LIBERDADE?

 

           Para os cristãos dos primeiros séculos, a Igreja, além de fonte indubitável de autoridade, era também reduto da liberdade. Grande parte do mundo pagão se sentia atraído pelo cristianismo, entre outros motivos pelo ambiente de liberdade que reinava nele e pela promessa de liberdade que oferecia.

 

           Como se explica então que hoje, num mundo em que o anelo de liberdade não é menor, a Igreja católica seja o último lugar a ser encarado por muitos como um remanso de liberdade? Ou, o que é ainda pior: como é possível que muitos católicos dêem a impressão de encontrarem mais restrições do que liberdade na sua vida dentro da Igreja?

 

           Para uma parte do mundo pagão contemporâneo, a Igreja católica  apesar das muitas e recentes explicações  continua a ser uma instituição baseada na autoridade e, já que para eles autoridade e liberdade pessoal são termos irreconciliavelmente opostos, as tensões na Igreja (como as atuais) parecem-lhes uma conseqüência lógica de um sistema em que se exige uma constante submissão da consciência e da liberdade à autoridade.

 

           Quanto aos católicos, ao invés de saberem contestar e apaziguar as suspicácias ou críticas dos acatólicos, são freqüentemente os que mais se deixam influenciar por elas. Consideremos em detalhe algumas dessas críticas mais radicais.

 

VIOLAÇÃO DE DIREITOS?

 

           Na Igreja católica, dizem, é obrigatório submeter-se a um corpo de doutrina dado, o que representa uma imediata limitação da liberdade.

 

           Alguns católicos, acrescentam, encontram-se na intolerável posição de ver que a sua consciência lhes diz uma coisa e, no entanto, terem que submeter-se à autoridade eclesiástica que lhes diz o contrário, o que constitui uma violação ainda mais séria dos direitos da consciência...

 

           Pois bem, a primeira dessas críticas é uma tolice. A segunda é, em parte, uma tolice e, em parte, baseia-se num mal-entendido.

 

A IGREJA, UM SISTEMA LIVRE

 

           No que se refere à primeira crítica, é preciso repetir  ainda que seja óbvio  que a Igreja católica não coage ninguém. A Igreja não é um campo de concentração nem um Estado policial. É um sistema livre. Ninguém é obrigado a ser católico ou a crer naquilo que a Igreja ensina. Ninguém me pode forçar a ser católico, da mesma forma que ninguém me pode forçar a pertencer a um partido político. Sou democrata, conservador, progressista, republicano ou monárquico  ou católico, protestante, muçulmano  porque eu quero, porque os princípios peculiares que estão em jogo me convencem. Se em dado momento a sua validade ou verdade deixasse de me convencer, eu os abandonaria. Eu decido ser católico ou não o ser. Ninguém me força. Não é possível maior liberdade.

 

O CONFLITO CONSCIÊNCIA-AUTORIDADE

 

           Mas, que dizer da situação do católico cuja consciência lhe diz uma coisa, enquanto a autoridade da Igreja lhe diz outra diferente? Por acaso não se lhe está pedindo que espezinhe a sua própria consciência, que renuncie à sua personalidade e à sua liberdade, e viva numa situação de absoluta insinceridade consigo próprio? Aliás, não é isto o que acontece habitualmente na Igreja católica? Não é verdade que os católicos  especialmente na medida em que vão crescendo em maturidade e experiência de vida  se vêem, cada vez mais, diante de semelhantes conflitos de consciência?

 

           Ninguém negará a existência de conflitos entre consciência e autoridade dentro da Igreja ou em qualquer outra parte. No entanto, eu diria que os autênticos conflitos, no que se refere à Igreja, são em número muito menor e menos possíveis do que se poderia imaginar; que a sensação de conflito que muitos católicos parecem ter hoje em dia deriva não de uma maior conscientização, mas, precisamente, da falta de uma autêntica tomada de consciência pessoal, da compreensão superficial do que significa ser católico e da incapacidade de perceber que a sua posição de católicos implica liberdade e autodeterminação.

 

           O que é que se passa quando existe realmente um conflito entre autoridade e consciência? O que é que se passa quando a autoridade (por exemplo, a do Papa ou a de um Concílio) denuncia determinado comportamento como claramente errôneo, enquanto a consciência de alguma pessoa  a sua consciência total, isto é, a totalidade dos seus princípios e convicções  se encontra em sólida oposição, afirmando que esse comportamento é lícito e deve ser seguido...? Em tal caso, naturalmente, a pessoa em questão seguiria a sua consciência. Deveria, de fato, segui-la, segundo os princípios tradicionais da moral católica [1].

 

REJEITAR A IGREJA

 

           Evidentemente, o problema não termina aí. Quem resolve desse modo o conflito, o que faz é mudar radicalmente a sua posição como católico; esvazia-a do seu conteúdo essencial, convertendo-a em algo insustentável. O quid da questão  quer tenha ou não consciência disso  está em que, ao resolver o seu problema de consciência dessa maneira, está rejeitando a Igreja. Efetivamente, está rejeitando a Igreja na sua consciência, por mais que diga que não tem nenhuma intenção de abandoná-la. Está rejeitando a significação da Igreja, mesmo que insista em que não quer afastar-se dela. A conclusão a que chegou  a qual, na prática, significa negar a proteção de Cristo à Igreja num aspecto claro ou importante da sua doutrina  leva-o necessariamente a rejeitar o conceito católico de Igreja e de Magistério. O conceito católico de Magistério  instrumento garantido por Deus para ensinar os homens (cfr. Lc 10, 16)  desmoronou-se na sua mente.

 

           O homem cuja consciência já não tolera o conceito católico de Igreja pode continuar a participar externamente de algumas práticas católicas (a freqüência de Sacramentos, por exemplo), mas essa participação será vazia. A sua vida religiosa perderá essa dimensão de alegria própria daquele que sabe ser impossível estar enganado quanto ao modo de viver cristãmente nesta terra, quanto ao caminho que leva ao Céu... Na prática, todo o seu encontro com Cristo tornar-se-á inseguro, porque, se Cristo não está presente na palavra e no ensinamento vivo da Igreja, não existe garantia alguma da sua presença nos Sacramentos, na Eucaristia, na Missa...

 

           Se um homem conclui que Cristo não garante a doutrina da Igreja a respeito dos filhos como fim fundamental do casamento, já não tem nenhum motivo para crer nos seus ensinamentos acerca do divórcio, da eutanásia, do aborto ou das relações sexuais pré-matrimoniais. Para ele, esses temas convertem-se em questões abertas; são encruzilhadas  pontos de decisão  sem sinalização, onde as suas preferências não têm maiores probabilidades de serem acertadas do que as de qualquer outro homem. Já não existe um critério cristão na sua mente, mas apenas uma opinião humana, e nada mais. Não só soltou as amarras que o mantinham firmemente ancorado à rocha da verdade cristã, como já a perdeu de vista por inteiro.

 

O QUE SIGNIFICA SER CATÓLICO

 

           Hoje em dia, muitos sustentariam que uma pessoa tem o direito  por motivos de consciência  de escolher uma opinião contrária ao que é ensinado pela Igreja, mesmo em se tratando de questões fundamentais [2]. Mas deve ficar claro que, uma vez adotada tal posição, já não se pode insistir em dizer que se trata de uma posição católica.

 

           Uma pessoa que insistisse neste ponto, na verdade não estaria reclamando liberdade; quando muito, estaria exigindo a liberdade de esvaziar conceitos e posições do seu autêntico conteúdo.

 

           Arrogar-se o direito de dizer-se católico e, ao mesmo tempo, ter uma visão totalmente subjetiva daquilo que significa ser católico é, talvez, um fenômeno peculiarmente moderno. Fenômeno que, se não se deve à falta de sinceridade, tem de ser atribuído a um raciocínio viciado, à incapacidade de entender que ser católico significa pertencer  voluntariamente  a um Corpo que pensa e ensina com a mente de Cristo em tudo o que diz respeito aos princípios fundamentais.

 

CONFLITOS AUTOCRIADOS

 

           Existem por vezes católicos que, parecendo sentir que a sua consciência lhes indica uma coisa enquanto a Igreja lhes diz outra, seguem a Igreja, mas a contragosto, com uma sensação de coação...

 

           A título de comentário, diria que semelhante sensação de conflito  entre consciência e autoridade  é auto-induzida, foi criada por eles mesmos. Deriva, como já disse antes, não de um conflito real, mas de um hábito de pensar superficial, da ausência de uma autêntica tomada de consciência, da incapacidade de compreenderem os valores que professam.

 

           Um pouco de reflexão sobre esse sentimento de coação seria suficiente para tais católicos perceberem que essa violência que sentem, tenha a natureza que tiver, não vem de fora... Vem do seu interior. Não estão sendo violentados pela autoridade da Igreja; estão sendo violentados pela sua própria crença na autoridade da Igreja. Afinal, a força que o ensinamento da Igreja tem para mim depende da minha convicção pessoal (e esta, por sua vez, de várias outras coisas: da sinceridade interior, do conhecimento de Jesus Cristo e da sua doutrina, da retidão de conduta, da graça de Deus); de modo que se pode dizer que o Magistério da Igreja só influi na inteligência que estiver convencida da verdade dessa doutrina que o Magistério transmite. Esses católicos estão sendo coagidos, portanto, pela sua própria e livre convicção  ou pelo que resta dela  de que o ensinamento da Igreja goza de uma garantia divina. A bem dizer, estão sendo coagidos pela sua própria consciência! [3]

 

           Esta conclusão, aparentemente paradoxal, torna-se mais evidente quando se recorda que a consciência é uma faculdade de juízo moral profundamente arraigada, que julga de acordo com os seus próprios pontos de referência, a partir dos princípios que mantém e segundo a evidência própria de cada caso. O que acontece com esses católicos que mencionamos é que a sua consciência pode estar vendo, por um lado, razões que parecem favorecer uma determinada posição, mas, por outro, vêem razões que parecem favorecer a posição contrária.

 

           Suponhamos que o tema em questão seja o controle artificial da natalidade. De um lado, alinham-se argumentos que parecem sustentar a tese de que a anticoncepção é necessária e, portanto, lícita (argumentos econômicos, psicológicos, etc.). De outro, ponderam-se argumentos que demonstram a imoralidade dessa atitude (o ensinamento constante da Igreja confirmado, uma vez mais, pela Encíclica Humanae vitae [4]). Cabe ao católico julgar qual dessas razões tem mais peso. Se pende a favor da Igreja, é porque a sua consciência  livre  continua a aceitar que a Igreja está amparada e sustentada por Jesus Cristo. Neste caso, não é correto dizer que a sua consciência está contra a autoridade. Crer na autoridade da Igreja faz parte da sua consciência, porque aceitou livremente que assim fosse; a autoridade da Igreja só o influencia na medida em que ele livremente a tenha aceitado.

 

           Estamos contemplando, pois, não uma coação sobre a consciência, mas um conflito dentro da consciência: dentro de uma consciência com critérios imaturos. Não se trata de um conflito entre a consciência pessoal e um princípio externo e imposto. Trata-se, antes, de um conflito entre princípios que a consciência mantém livremente, mas que lhe é difícil conciliar. Se existe um conflito de consciência, é precisamente porque essa consciência está dividida contra si mesma. Não é a consciência contra a Igreja, mas a consciência contra a consciência.

 

           A conseqüência é clara: quem quiser protestar contra um conflito interior, provocado por princípios aceitos pessoal e livremente, deve apresentar os seus protestos a si próprio (à sua própria imaturidade, à sua defeituosa fé na Igreja, à sua falta de conhecimento, à sua tentativa de manter uma divisão ou compatibilidade enganosa dentro de si mesmo, etc.).

 

LIBERDADE E AUTORIDADE CONFIÁVEL

 

           Por conseguinte, os dois termos  liberdade e autoridade  não se encontram necessariamente em oposição irreconciliável, a não ser quando não são bem entendidos ou vividos.

 

           Se por autoridade se entende vontade arbitrária, então, sim, deve ser encarada como algo claramente oposto à liberdade individual. Mas, entendida como fonte segura de informação, como serviço, como guia autorizado e confiável em relação às metas da nossa vida (e só assim deve ser entendida quando se refere ao Magistério da Igreja), então transforma-se em chave para o pleno exercício da liberdade pessoal e nunca em sua inimiga [5].

 

           Se por liberdade se entende a possibilidade de atuar segundo o capricho de cada qual, ou a capacidade de decidir o que é bom ou mau segundo o gosto, a comodidade ou a opinião pessoal, também a idéia de autoridade lhe será necessariamente oposta. Mas, entendida como capacidade de fazer o bem segundo a natureza das coisas, e como possibilidade de amor e de entrega a Deus e aos outros, transforma-se na única forma possível de verdadeira cooperação com a autoridade, com Deus e com os outros; na única forma de obedecer realmente, pois compreende-se então que a obediência só é possível no ser humano racional e livre, e portanto que a obediência é uma manifestação de liberdade e de responsabilidade.

 

A LIBERDADE ENCONTRA-SE EM CRISTO

 

           Os primeiros cristãos eram homens e mulheres que, depois de terem vagado longo tempo na escuridão, receberam inesperadamente a oferta de uma meta extraordinária para as suas vidas e viram aberto e sinalizado o caminho que levava a ela. Possuíam finalmente a liberdade; não para irem de um lado para outro, sem rumo, mas para caminharem em direção a um objetivo, a um Destino! É verdade que nunca teriam adquirido esse sentimento de liberdade  a liberdade de um caminho  se não tivessem andado, desde o primeiro momento, à busca de uma meta válida para as suas vidas. Mas o caráter surpreendentemente alegre da sua liberdade devia-se, sobretudo, à confiança absoluta que haviam resolvido depositar nas indicações dAquele que lhes tinha sinalizado o caminho. Ele não podia enganá-los.

 

           O homem para quem a liberdade significa seguir os impulsos e instintos de cada momento, deveria perguntar-se se não está defendendo a liberdade de perder-se nas trevas ou de fechar-se cada vez mais na órbita do eu: a liberdade de escravizar-se, de renunciar à sua liberdade. Evidentemente, neste caso, toda a voz exterior que fale de uma verdade objetiva, que proponha uma meta válida que deva ser obrigatoriamente atingida por todos os homens, soará como inimiga dessa liberdade.

 

           Pelo contrário, para os que encaram a vida como um caminho para o alto, para um destino muito concreto (Deus, o Céu, a felicidade)  isto é, para aqueles para quem a liberdade significa procurar esse caminho e segui-lo , a mera possibilidade de que em determinado momento chegue Alguém, vindo desse mesmo destino, para mostrar-lhes o caminho, apresenta-se como algo eletrizante. Se, ao verificarem a vida desse Alguém e as suas credenciais, chegarem à convicção de que as suas indicações são confiáveis, de que é verdade o que Ele diz, porque Ele é a própria verdade  porque Ele é Deus!  , então essas suas indicações hão de apresentar-se não como restrições impostas aos homens, não como cargas ou obrigações, mas como imensos raios de luz que iluminam o seu caminho, para que o possam ver e depois percorrer com energia, confiança e liberdade.

 

           Em Cristo encontra-se a liberdade. Ao ouvir a sua voz, vê-se claramente o caminho. A autoridade de Cristo não oprime porque merece confiança, porque se percebe que é de confiar nela. A sua autoridade orienta muito mais do que o faz a sinalização de uma estrada. O homem sente-se feliz de poder segui-la e o faz livremente.

 

           Os que não crêem na verdade ou não crêem em Jesus Cristo  ou os que, embora se considerem cristãos, não sabem encontrar Cristo na Igreja , hão de ficar com a impressão de que todo o exercício do Magistério é um atentado contra a sua liberdade. Os que vêem motivos para confiar na autoridade da Igreja  porque vêem nela a palavra de Cristo, porque têm presente que aquele que vos ouve, a mim ouve, e aquele que vos despreza, a mim despreza (Lc 10, 16), e acreditam que Cristo não mente nem engana , esses hão de encontrar no Magistério da Igreja um aliado da sua liberdade: Conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres (Jo 8, 32).

 

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[1] Deve-se seguir a própria consciência, ainda que seja errônea, a não ser que se saiba ao certo  ou se suspeite  que se está em erro. No caso que contemplamos, o erro está em não reconhecer que Cristo está presente nos ensinamentos da Igreja.

 

[2] Quando falo da autoridade da Igreja para ensinar  o Magistério , estou-me referindo aos ensinamentos em matérias de fé e de moral que o Papa ou um Concílio Ecumênico com o referendum do Papa, dentro da missão que receberam de Cristo, apresentam como verdadeiros e necessários para todos os fiéis. Naturalmente, não me refiro aos ensinamentos de qualquer ministro ou teólogo  ainda que se apresentem com grande aparência de autoridade , que não passam de um ponto de vista pessoal e privado.

 

[3] Pela sua consciência mal formada e mal informada.

 

[4] Muitas pessoas que se sentem atraídas pela aparente força de certos argumentos humanos em favor da anticoncepção (por exemplo, a chamada explosão demográfica) sentem também a força dos argumentos humanos contrários (por exemplo, o argumento de que um ato sexual contraceptivo supõe, evidentemente, um ato limitado de autodoação ou entrega, ao ponto de já ser impossível encontrar nele os elementos que poderiam constituí-lo como expressão própria da entrega ilimitada que caracteriza o matrimônio). No texto acima estamos considerando, no entanto, o caso extremo da pessoa que não soube ver ou não pensou nas objeções naturais à anticoncepção, e não lhe resta senão aquilo a que poderíamos chamar a objeção teológica: se a Igreja se enganou durante tantos anos no seu ensinamento ordinário sobre o controle da natalidade, então Cristo não soube cumprir as promessas que fez à sua Igreja.

 

[5] Quando se fala de autoridade, pode-se estar falando de uma força que restringe a liberdade física do indivíduo. Mas não se deve confundir esta forma de autoridade coercitiva com a autoridade moral, que influi na mente de acordo com a sua garantia e confiabilidade e com a capacidade persuasiva dos seus princípios. Este tipo de autoridade é verdadeiramente livre e democrático. Tal é a autoridade da Igreja.